Flexibilização e adaptação são as palavras do momento: normas têm sido revistas e procedimentos, alterados como medidas paliativas diante da inesperada realidade que vivemos — a da epidemia da Covid-19.
Este movimento vai ao encontro dos anseios do Direito Civil contemporâneo, permeável às mudanças sociais, notadamente no campo da doutrina e nas decisões judiciais. Entretanto, é necessário cautela no que se refere aos negócios jurídicos com forma prevista em lei.
O testamento é recurso muito usado para fins de planejamento sucessório, pois permite ao autor registrar sua vontade para após a morte, tanto em relação à destinação de seu patrimônio quanto em relação a outros aspectos de sua vida privada (reconhecimento de filhos, nomeação de tutor e funeral, entre outros). É medida também benéfica aos herdeiros: quando bem elaborado, o testamento facilita em muito o processo de inventário.
Conforme os artigos 1.857 e seguintes do Código Civil, é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e formal. Entre as espécies previstas, destacam-se os testamentos público e particular.
O testamento público é aquele feito mediante escritura lavrada perante um Cartório de Notas e possui como principal característica a segurança, tanto em relação às formalidades quanto ao conteúdo do documento e à existência. Já o testamento particular, elaborado e guardado pelo testador, possui a vantagem de maior privacidade e menor custo, tanto financeiro quanto de tempo para elaboração.
Ambos exigem a presença de testemunhas no momento da assinatura pelo testador. Como proceder em tempos de isolamento social? Dispensar as testemunhas, na expectativa de que o juiz valide o documento após a morte, considerada a situação"excepcional" de sua lavratura, conforme prescreve o artigo 1.879 [1] do Código Civil?
As decisões judiciais sobre o tema oscilam, apesar de sinalizarem uma tendência a flexibilizar a obrigatoriedade de três testemunhas ou a necessidade de leitura do documento na presença de todos, desde que presentes outros elementos que atestem que o documento exprime a real vontade do testador e que ele estava lúcido (o que somente será valorado no momento da aprovação judicial do testamento, após o óbito do testador). [2]
Ainda que o testamento particular seja a única opção viável diante da suspensão do atendimento presencial pelos cartórios, é necessário lembrar que sua futura aprovação judicial pode ser dificultada caso não seja elaborado com critério.
Logo, o momento é de cautela: a situação "excepcional" de isolamento social deve constar de forma expressa no testamento e, sempre que possível, a assinatura do documento deve ser realizada pelas testemunhas, ainda que de forma não presencial. A tecnologia disponível oferece muitas alternativas, como a leitura do documento a todos por chamada de vídeo.
[1] Artigo 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
[2] Vide as decisões do Superior Tribunal de Justiça nos seguintes recursos: REsp 1432291/SP; REsp 1583314/MG; REsp 1677931/MG; AgRg no AREsp 773835/SP
Marina Pelegrini Oliveira é advogada especialista em Direito das Sucessões e consultora do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados.
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