APELAÇÃO CÍVEL - SUPRIMENTO DE REGISTRO CIVIL - AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE ESTRANGEIRA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO TARDIO - PESSOA FALECIDA - AUSÊNCIA DE PROVA DE INTERESSE E PARENTESCO - IMPROCEDÊNCIA
- A Lei n° 6.015/73 não restringe a legitimidade do pedido de suprimento de registro civil aos descendentes, em caso de pessoa falecida, de modo que o pedido pode ser feito por qualquer interessado.
- Não restando comprovado nos autos justo motivo para suprir o registro civil, impõe-se a manutenção da decisão que julgou improcedente o pedido inicial de reconhecimento tardio de nascimento, formulado com a finalidade de instruir pedido de cidadania estrangeira.
Apelação Cível nº 1.0000.22.108813-1/001 - Comarca de Além Paraíba - Apelante: Ronaldo Carvalho de Sousa - Relator: Des. José Eustáquio Lucas Pereira
ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 21ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 24 de agosto 2022. - José Eustáquio Lucas Pereira - Relator.
VOTO
DES. JOSÉ EUSTÁQUIO LUCAS PEREIRA - Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Ronaldo Carvalho de Sousa, em face da sentença de ordem 24, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Além Paraíba, Dr. Leonardo Curty Bergamini, integrada pela decisão em embargos de declaração (ordem 28), que, nos autos da ação de suprimento de registro civil, ajuizada pelo ora apelante, julgou o feito improcedente, nos termos do art. 487, I, do CPC/15.
Os embargos de declaração foram acolhidos para deferir o benefício de justiça gratuita ao autor.
Em suas razões recursais (ordem 31), o apelante sustenta que: a) busca o assento de registro de nascimento de Maria Soares da Silva, primeira esposa de Joaquim da Silva Carvalho; b) chegou-se à conclusão de que o documento pretendido dataria do ano de 1883; c) que os registros civis de nascimento somente se tornaram obrigatórios no Brasil em 1890; d) à época usualmente era feito somente o registro de batismo; e) não foi obtido nenhum registro de batismo.
Assim, requer a reforma da sentença para determinar o suprimento da certidão de nascimento da Sr.ª Maria Soares da Silva.
Sem preparo, haja vista a concessão da justiça gratuita (ordem 28). A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se à ordem 34.
Relatados, tudo visto e examinado, decido.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Versam os autos sobre ação de suprimento de registro civil, ajuizada por Ronaldo Carvalho de Sousa, alegando que se faz necessária a obtenção da certidão de nascimento da Sr.ª Maria Soares da Silva, primeira esposa de Joaquim da Silva Carvalho, visando ao procedimento de obtenção de nacionalidade portuguesa; que na comarca de Além Paraíba não foi encontrado nenhum registro acerca da certidão de nascimento da Sr.ª Maria Soares da Silva; que da certidão de inteiro teor do casamento de Maria Soares da Silva e Joaquim da Silva Carvalho, e da certidão de óbito de Maria Soares da Silva, é possível concluir que o nascimento teria ocorrido em 1883.
Assim, requereu:
Seja a presente ação julgada procedente para determinar o suprimento da certidão de nascimento/batismo da Sr.ª Maria Soares da Silva, a qual nasceu no município de Além Paraíba no ano de 1883, conforme documentado dos anexos.
Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido inicial.
Irresignado, o apelante insurge-se nesta instância recursal visando à reforma da sentença.
Feitas essas considerações, passo à análise do recurso.
Inicialmente, ressalte-se que o suprimento de registro civil tem fundamento no art. 109 da Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73), que versa no seguinte sentido:
``Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório''.
O registro de nascimento é considerado tardio, quando requerido após o prazo legal da declaração do nascimento previsto no art. 50 da Lei n° 6.015/73.
No caso em apreço, o autor visa obter o suprimento jurisdicional, para que seja assentada a certidão de nascimento de Maria Soares da Silva, pessoa já falecida, conforme documento acostado à ordem 8.
Faz-se mister salientar que a Lei de Registros Públicos (Lei n° 6.015/73), que disciplina a matéria, não restringe a legitimidade do pedido de suprimento de registro civil aos descendentes, em caso de pessoa falecida, de modo que o pedido pode ser feito por qualquer interessado.
No presente, o autor afirma ser necessária a certidão de nascimento de Maria Soares da Silva, visando ao procedimento de obtenção de nacionalidade portuguesa.
Contudo, verifica-se que o autor/apelante não junta qualquer documentação para comprovar o parentesco com a Sr.ª Maria Soares da Silva - de quem se pretende obter o registro de nascimento -, tampouco com o Sr. Joaquim da Silva Carvalho, que teria aquela como primeira esposa.
Não se olvida que, em suas razões recursais, o apelante apresentou o endereço eletrônico (link para consulta pela internet) para acessar a árvore genealógica da sua família, contudo, trata-se de um arquivo elaborado pelo próprio recorrente, desacompanhado de qualquer documento que pudesse corroborar o ali exposto.
Lado outro, também não cuidou de juntar qualquer comprovação a respeito da sua necessidade de obter o pretendido registro, para fins de processamento de seu pedido de nacionalidade estrangeira.
Neste ponto, insta salientar que a comprovação do parentesco, embora não seja um requisito geral para a obtenção do registro tardio, configura requisito para o fim buscado pelo autor/apelante, qual seja, a obtenção da cidadania portuguesa.
Embora a parte recorrente tenha afirmado que ``vem como parte interessada pleitear pelo suprimento de registro civil'', por ser herdeiro e membro de família lusitana, observa-se que o despacho de p. 19 dos autos eletrônicos, proferido pela Conservatória do Registro Civil Ponta Delgada, não menciona o nome do autor/apelante, o que também não demonstra o seu interesse no alegado registro.
Portanto, no caso em apreço, além de não restar comprovada a relação de parentesco, também não foi demonstrado o interesse da parte no registro pretendido.
Dessa forma, tem-se que a análise dos documentos apresentados pelo recorrente não traz convicção segura acerca dos fatos alegados.
Em caso semelhante, assim já decidiu este eg. TJMG:
``Apelação cível. Procedimento de jurisdição voluntária. Suprimento de registro civil de nascimento da avó paterna. Ausência de prova. Improcedência. - O art. 109 da Lei Federal nº 6.015/1973 constitui autorizativo legal para subsidiar o pleito de restauração, supressão ou retificação de assentamento no Registro Civil, desde que formulado por meio de petição fundamentada e instruída com documentos ou indicação de testemunhas. - Nos termos do § 4º do art. 50 da Lei de Registro Civil, é facultado aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do registro civil requerer, isentos de multa, a inscrição de seu nascimento, sendo certo que com o óbito cessa o direito de registro tardio. - A ausência de prova do nascimento da avó paterna, conjugada com a contradição documental na ascendência do requerente, leva à improcedência do pedido de reconhecimento tardio do nascimento de sua avó, formulado com a finalidade de instruir pedido de cidadania italiana'' (TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.560700-5/001, Rel. Des. Leite Praça, 19ª Câmara Cível, j. em 25/2/2021, p. em 4/3/2021).
De mais a mais, verifica-se que o autor juntou aos autos a certidão negativa de batismo lavrada pela Diocese de Leopoldina, presente também no município de Além Paraíba/MG, não havendo, portanto, sequer indício de que o nascimento ocorreu naquela cidade.
Desta feita, diante da ausência de uma base probatória, e considerando os fundamentos acima expostos, impõe-se o desprovimento do presente recurso.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença recorrida.
Sem honorários.
Custas recursais, na forma da lei, observando-se o benefício da gratuidade de justiça deferido ao autor/apelante.
DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - De acordo com o Relator.
DES. MARCELO RODRIGUES - Em detido exame do caso concreto, acompanho o voto do ilustre relator.
Por certo que, quem pretender que se restaure ou supra registro, deve seguir o procedimento do art. 109, da Lei dos Registros Públicos, ou seja, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas.
No caso dos autos, o apelante pretende suprir o registro de nascimento de Maria Soares da Silva sob dois fundamentos: que ela é sua bisavó; que pretende reconhecimento da cidadania portuguesa a partir dos registros de seus ascendentes.
Pois bem.
De início, verifica-se potencial falta e interesse de agir do apelante, porquanto o documento de f. 19-TJ, da Conservatória do Registro Civil de Ponta Delgada (em Portugal), solicitou a transcrição do primeiro casamento de Joaquim da Silva Carvalho, para dar prosseguimento ao pedido de cidadania portuguesa.
Nesse sentido, verifica-se que o inteiro teor juntado à f. 16-TJ, já bastaria para tanto.
Ademais, referido documento não aponta o seu interessado como sendo o aqui apelante.
Lado outro, o apelante não trouxe aos autos qualquer documento capaz de demonstrar sua relação de parentesco com algum dos nubentes - Joaquim da Silva Carvalho e Maria Soares da Silva - especificamente com relação a esta.
Conforme sua carteira de identificação à f. 12-TJ, é filho de José Rômulo Jacob de Sousa e Maria da Glória Carvalho de Sousa, mas não apresentou outras certidões para comprovar seus ascendentes, como avós ou bisavós.
A bem da verdade, apresentou apenas a certidão de Itamar (f. 18-TJ), como filho de Joaquim da Silva Carvalho e Maria Soares da Silva.
Notadamente, a lei não restringe o pedido de suprimento somente àqueles que têm relação de parentesco. Mas, ao exigir que a petição deva ser fundamentada, extrai-se que o mínimo interesse, bem como utilidade do procedimento para os fins que almeja, deva ser demonstrado.
E, nesse ponto, o simples fato de o apelante apresentar uma árvore genealógica não tem o condão de indicar sua relação de parentesco, que se prova pelos registros e os encadeamentos familiares com nomes de pais e mães, além de avós paternos e maternos (art. 54, da Lei dos Registros Públicos).
Ademais, sequer se pode extrair possíveis terceiros interessados no pedido, para fins de oitiva, nos termos do art. 109, da Lei dos Registros Públicos.
Anoto, por fim, que, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, opera apenas a coisa julgada formal, motivo pelo qual, obtendo prova robusta sobre os dados apontados, poderá pleitear novamente o suprimento (REsp. 1269544/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª Turma, j. em 26/5/2015, DJe de 29/5/2015).
Logo, sopesados todos esses fundamentos, nego provimento ao recurso.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
DJe
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