APELAÇÃO CÍVEL - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO - HIPÓTESES DO ART. 213 DA LEI Nº 6.015/73 NÃO VERIFICADA - INDÍCIOS DE SIMULAÇÃO - PREJUÍZOS A TERCEIROS - ART. 214 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA
- Dispõe o art. 212 da Lei de Registros Públicos que, "se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial".
- No caso dos autos, uma vez que o pedido de retificação não tem respaldo no art. 213 da Lei de Registros Públicos, como também encontra óbice no art. 214 da mesma lei, o qual estabelece que, "a requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro", a sentença que julgou procedente a suscitação de dúvida, reputando correta a diligência substanciada na nota de devolução identificada com o número 21.699, deverá ser mantida em sua integralidade.
Apelação Cível nº 1.0000.22.063283-0/001 - Comarca de Pitangui - Apelante: RB Empreendimentos e Participações - Eireli - Apelado: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Pitangui - Relator: Des. Adriano de Mesquita Carneiro
Belo Horizonte, 17 de agosto de 2022 - Adriano de Mesquita Carneiro - Relator.
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 21ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
VOTO
DES. ADRIANO DE MESQUITA CARNEIRO - Trata-se de recurso de apelação, interposto por RB Empreendimentos e Participações - Eireli, contra a sentença de ordem nº 30, proferida pela MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Pitangui, que julgou procedente a suscitação de dúvida levantada pelo agente delegado e, em consequência, reputou correta a diligência substanciada na nota de devolução identificada com o número 21.699.
Nas razões recursais de ordem nº 37, sustenta a apelante, em apertada síntese, que se equivocou o Douto Juízo a quo ao sustentar que a retificação da escritura de compra e venda do imóvel em questão, pretendida pela apelante, junto ao CRI da Comarca de Pitangui/MG, "implica alteração substancial na informação contida no título, atingindo, eventualmente, terceiros alheios aos autos".
Salienta que a retificação da escritura pública e, consequentemente, no Registro do Imóvel, é autorizada pelo art. 318 do Provimento nº 93/2020 da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais, não havendo previsão de qualquer prazo mínimo ou máximo para tal retificação, de modo que, mesmo tendo ela sido realizada após decorridos seis meses do ato primevo, não existem óbices legais à sua efetivação.
Destaca que não houve alteração da substância do ato, tendo todos os pagamentos, no valor de R$800.000,00 (oitocentos mil reais), sido realizados antes da lavratura da escritura pública, registrada no dia 30/3/2020, a qual fora retificada pela escritura pública, lavrada em 13/11/2020, esta última que veio a expressar a verdade real do negócio jurídico efetivamente realizado.
Defende que o art. 167, inciso II, item 15, da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), prevê que é permitido o registro da averbação da retificação de contrato de mútuo, ainda que importe na elevação da dívida, desde que mantidas as partes. Assim, pelo princípio da analogia, afirma que não se pode criar óbice para o registro da averbação da retificação da escritura pública trazida à baila, em relação à qual todas as partes envolvidas consentiram pela sua retificação, para fazer constar o valor correto da venda do imóvel, qual seja, a importância de R$800.000,00 (oitocentos mil reais).
Aduz que não há negócio jurídico simulado, como equivocadamente afirmou o Douto Juízo a quo, mas mera necessidade de correção do registro, no que se refere ao valor real do negócio jurídico de compra e venda, tendo ele, entretanto, de fato existido, conforme exprimido nas demais disposições do assento imobiliário registrado prima facie. Salienta que não há comprovação de lesão a suposto direito de terceiros, uma vez que, na demanda envolvendo o imóvel objeto da lide, em que se discute a suposta omissão, no exercício do direito de preferência pelo possuidor/arrendatário pelos vendedores, em que há, inclusive, depósito judicial do montante do valor da venda, qual seja R$400.000,00 (quatrocentos mil reais), autos nº 5002201-52.2020.8.13.0514, proposta por José Natalino de Freitas, existe discussão acerca da incompletude do depósito judicial, uma vez que não foram depositadas as despesas havidas pela parte compradora com o pagamento de imposto de transmissão (ITBI) e despesas cartorárias, de maneira que a extinção do feito sem julgamento de mérito é a medida processual provável daquele feito.
Assim, pede que seja dado provimento ao presente recurso, a fim de reformar a r. sentença, sendo sanada a dúvida, para que seja determinado ao apelado que efetue o registro através de averbação na matrícula de nº 50.671 do imóvel trazido à baila, da rerratificação da escritura pública, lavrada no dia 13/11/2020, no livro de nº 080, f. 05, do Tabelionato de Notas do Município de Conceição do Pará - Comarca de Pitangui/MG, pelas razões acima expostas.
Sem contrarrazões.
Pelo despacho de ordem nº 46, atenta à manifestação do Parquet, a d. Magistrada determinou o encaminhamento de cópia dos autos à Delegacia de Polícia Civil para a tomada de providências que entenderem pertinentes.
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça à ordem nº 53, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação.
É o relatório.
Do juízo de admissibilidade.
A apelação cível é cabível, foi interposta tempestivamente, tendo a apelante comprovado o recolhimento do preparo, cumpridas as exigências do art. 1.010 do CPC. Destarte, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, em seus regulares efeitos devolutivo e suspensivo, nos termos dos art. 1.012 e 1.013 do CPC.
Do mérito.
No caso em análise, foi apresentada ao oficial de registros de imóveis escritura pública de rerratificação, lavrada pelo Cartório de Notas de Conceição do Pará, na data de 13/11/2020, sob o Livro nº 80, folha 05, na qual os vendedores Valdete de Faria Torres, Marco Antônio de Faria Torres, Priscilla de Faria Torres Lacerda e a empresa compradora RB Empreendimentos e Participações - Eireli retificam a escritura pública de compra e venda do imóvel de matrícula nº 50.671, Livro 2, lavrada pelo cartório reportado, na data de 30/3/2020, sob o Livro nº 078, folha 118, e registrada no R-7 da referida matrícula, para fazer constar que o bem transmitido fora vendido por R$800.000,00, e não R$400.000,00, como originariamente consignado na escritura primeva, bem como que tal valor foi pago de forma diversa do anteriormente previsto.
Em resposta, o oficial do registro emitiu a nota de exigência nº 21.699, orientando a empresa, ora apelante, a buscar retificação através da via judicial, uma vez que a correção extrajudicial, nos moldes pretendidos, ou seja, via cartório, restringe-se a sanar equívocos que não alteram substancialmente o negócio jurídico, o que não se aferiu no caso concreto.
Assim, foi apresentada declaração de suscitação de dúvida, o que foi tomado como medida para dirimir a questão com o aforamento do presente procedimento, nos termos do art. 198 da Lei nº 6.015/73, sendo instaurado o procedimento pelo Tabelião do Ofício do Cartório de Registro de Imóveis de Pitangui/MG.
Pela sentença de ordem nº 30, a ilustre Magistrada consignou que não se vislumbra qualquer inobservância pelo registrador, quando do momento do registro que enseje a autorização de retificação, prevista na Lei de Registros Públicos, pelo que julgou procedente a dúvida registral suscitada pelo agente delegado, a fim de que seja mantida a diligência substanciada na nota de devolução nº exigência 21699.
Assim, cinge-se a controvérsia recursal a analisar a possibilidade de retificação do registro imobiliário, nos moldes pretendidos pela apelante, com a alteração do valor do preço pago, inicialmente de R$400.000,00 para R$800.000,00, bem como a forma como o pagamento se deu.
Sobre o tema, dispõe o art. 212 da Lei de Registros Públicos: "se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial".
Ato contínuo, estabelece o art. 213 da Lei nº 6.015 que:
``Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:
I- de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:
a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;
b) indicação ou atualização de confrontação;
c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial;
d) retificação que vise à indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais;
e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;
f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;
g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;
II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes.''
Destarte, no caso dos autos, verifica-se que o registro da primeira escritura pública de compra e venda efetivou-se, em 6/5/2020, sendo que a retificação pretendida ocorreu seis meses após o ato, não encontrando qualquer previsão legal, uma vez que pretende alterar o valor pago pelo bem, hipótese não elencada no artigo supramencionado, uma vez que tal modificação não se trata de um mero erro material.
Como se não bastasse a ausência de previsão legal, na hipótese específica dos autos, verifica-se que o pedido de retificação deu-se posteriormente ao ajuizamento da Ação de Preferência c/c Anulatória de Escritura de Compra e Venda, com pedido de Adjudicação (5002201-52.2020.8.13.0514), proposta por José Natalino de Freitas, em face de Valdete de Faria Torres, Marco Antônio de Faria Torres, Priscilla de Faria Torres Lacerda e RB Empreendimentos e Participações - Eireli, ora apelante, em que a controvérsia cinge-se à validade do negócio jurídico realizado entre os requeridos, em inobservância ao suposto direito de preferência da parte autora.
Ademais, há notícias de que, naqueles autos, foi depositado judicialmente o montante do valor da venda, declarado inicialmente, qual seja R$400.000,00 (quatrocentos mil reais), fato que corrobora com indícios de simulação na pretensão da aludida retificação do valor da venda do imóvel para R$800.000,00 (oitocentos mil reais).
Portanto, no caso em apreço, o pedido de retificação não tem respaldo no art. 213 da Lei de Registros Públicos, como também encontra óbice no art. 214 da mesma lei, o qual estabelece que "a requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro", devendo a sentença que julgou procedente a suscitação de dúvida, reputando correta a diligência substanciada na nota de devolução identificada com o número 21.699, ser mantida em sua integralidade.
Dispositivo.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso, para manter incólume a sentença primeva e condeno a apelante no pagamento das custas recursais.
Sem honorários, na forma da lei. É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Eustáquio Lucas Pereira e Alexandre Victor de Carvalho.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
DJe
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