Nelson Rosenvald: cartórios são o ‘curador institucional’ da segurança jurídica no ambiente digital
- TI Infographya
- há 6 horas
- 6 min de leitura
Em um cenário de acelerada transformação digital, a segurança jurídica dos documentos e contratos eletrônicos emerge como um dos temas mais importantes do Direito contemporâneo. O advogado Nelson Rosenvald, renomado por sua expertise em Direito Civil e Constitucional, destacou os desafios e as oportunidades que a tecnologia impõe à atividade notarial e registral, em entrevista exclusiva ao Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais (CNB/MG).
O diálogo, que se aprofunda em oito pontos fundamentais, posiciona o notariado como o curador institucional da autenticidade digital. Rosenvald detalha como a fé pública se reinventa, deixando de ser a mera custódia do papel para se tornar gestão da integridade e rastreabilidade da informação no ambiente virtual.
Entre os temas centrais, o jurista discute a força probatória dos contratos digitais, a complexa adequação dos cartórios à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e a tensão entre a publicidade dos atos e a proteção de dados pessoais. Além disso, a entrevista explora o potencial transformador de tecnologias como Blockchain e Inteligência Artificial na modernização cartorária, ressaltando que a automação deve complementar, e jamais substituir, o juízo jurídico do tabelião.
Leia na íntegra
CNB/MG – Professor, em um cenário de crescente digitalização, qual a sua visão sobre a força probatória e a segurança jurídica dos contratos e documentos digitais? Como os cartórios podem atuar para conferir maior robustez a esses documentos?
Nelson Rosenvald – A digitalização das relações jurídicas impôs uma necessária releitura dos meios de prova e da própria noção de autenticidade documental. O contrato eletrônico, ao consubstanciar-se em registros digitais dotados de integridade técnica, pode ostentar a mesma força probatória dos instrumentos físicos, desde que observados os requisitos de autoria e integridade previstos na legislação. O notariado, nesse contexto, emerge como instância essencial de certificação e verificação, apta a conferir fé pública à origem e à imutabilidade dos documentos eletrônicos. Por meio da lavratura de atas notariais digitais, certificações de assinatura eletrônica e registros de blockchain, o tabelião assegura a perenidade e a validade jurídica dos atos. A intervenção notarial, assim, atua como ponte entre o mundo jurídico tradicional e a realidade tecnológica, harmonizando a volatilidade do ambiente digital com a rigidez das formas legais. Trata-se, portanto, de uma função instrumental à tutela da confiança, fundamento central do direito privado contemporâneo.
CNB/MG – Quais os principais desafios jurídicos e tecnológicos para a autenticação e o registro de documentos eletrônicos, garantindo sua integridade e imutabilidade?
Nelson Rosenvald – A autenticação digital enfrenta desafios simultaneamente jurídicos e tecnológicos, relacionados à prova da autoria e à integridade do documento. A pluralidade de sistemas de certificação e o uso de tecnologias descentralizadas, como blockchain, impõem ao intérprete o dever de compreender a equivalência funcional entre diferentes meios de validação. O desafio jurídico reside em garantir que a assinatura digital preserve o vínculo inequívoco entre o signatário e o documento, sem depender de um único prestador de confiança. Já o desafio tecnológico consiste em assegurar que os registros eletrônicos permaneçam invioláveis, auditáveis e dotados de interoperabilidade com os sistemas notariais e públicos. O notariado, ao empregar certificações ICP-Brasil e soluções híbridas de autenticação, pode atenuar esses riscos, funcionando como curador institucional da autenticidade digital. A convergência entre técnica criptográfica e fé pública notarial revela-se o caminho mais promissor para a consolidação de um ambiente documental seguro e confiável.
CNB/MG – A desmaterialização de documentos exige uma nova abordagem dos notários? De que forma?
Nelson Rosenvald – A desmaterialização documental exige do notariado não apenas atualização tecnológica, mas sobretudo uma reformulação epistemológica de sua função jurídica. O tabelião deixa de ser mero guardião do papel e passa a ser gestor da autenticidade e da rastreabilidade da informação. Em um contexto em que o suporte físico perde relevância, a formalidade cede espaço à verificação da integridade e da persistência digital. O notário deve dominar instrumentos como hashes criptográficos, timestamps e certificações em nuvem, para garantir que o documento desmaterializado mantenha seu valor jurídico originário. Essa mutação funcional não diminui o papel do cartório, mas o eleva a agente de governança informacional, que assegura a confiança pública nos registros digitais. Assim, a fé pública se reinventa em chave tecnológica, preservando o elemento central da segurança jurídica: a estabilidade das relações documentais.
CNB/MG – Poderia nos explicar o impacto das diferentes modalidades de assinaturas (eletrônicas simples, avançadas e qualificadas) na prática notarial? Há alguma que o senhor considera mais adequada para determinados atos?
Nelson Rosenvald – As assinaturas eletrônicas – simples, avançadas e qualificadas – produzem efeitos distintos na seara notarial, conforme o grau de segurança e rastreabilidade que proporcionam. A assinatura simples pode ser suficiente para atos cotidianos de menor risco, mas carece de robustez probatória para negócios complexos. A avançada, quando vinculada a mecanismos de autenticação biométrica ou criptográfica, já permite a identificação inequívoca do signatário e confere maior segurança. Contudo, é a assinatura qualificada, baseada em certificados digitais ICP-Brasil, que melhor dialoga com a fé pública notarial, por cumprir integralmente os requisitos de autoria e integridade exigidos pela legislação brasileira. O notário, ao reconhecer ou autenticar assinaturas digitais, deve avaliar a adequação da modalidade ao tipo de ato jurídico e ao grau de risco envolvido. Dessa ponderação resulta o equilíbrio entre acessibilidade tecnológica e segurança jurídica efetiva.
CNB/MG – Como o ordenamento jurídico brasileiro tem se adaptado para aceitar e regulamentar o uso dessas assinaturas, e quais as implicações para a fé pública notarial?
Nelson Rosenvald – O ordenamento jurídico brasileiro vem paulatinamente incorporando as assinaturas eletrônicas por meio de leis e atos normativos que reconhecem sua validade e equivalência funcional aos instrumentos físicos. A Lei 14.063/2020 e o Decreto 10.543/2020 estabeleceram parâmetros para o uso das assinaturas eletrônicas no setor público e privado, reforçando a presunção de autenticidade quando vinculadas à ICP-Brasil. Essa evolução legislativa não elimina, porém, o papel do notariado, que continua sendo o fiador da segurança jurídica nos atos de maior relevância. A fé pública notarial, ao se projetar no ambiente digital, atua como elemento legitimador de confiança entre partes que jamais se encontram fisicamente. Assim, os cartórios se transformam em autoridades intermediárias de certificação e verificação, capazes de reduzir o risco jurídico de atos eletrônicos. Essa simbiose entre norma e técnica reafirma o notariado como eixo de estabilidade do ecossistema jurídico digital.
CNB/MG – A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impõe desafios significativos para os cartórios, que lidam com um grande volume de dados pessoais sensíveis. Quais são os principais pontos de atenção e as melhores práticas para a conformidade com a LGPD nesse setor?
Nelson Rosenvald – Os cartórios, por manipularem grandes volumes de dados pessoais sensíveis, enfrentam uma das tarefas mais complexas de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. A natureza pública de suas funções não os exime do cumprimento rigoroso dos princípios de finalidade, necessidade e transparência. É imperativo que estabeleçam políticas de governança de dados, com planos de resposta a incidentes, registros de operações de tratamento e nomeação de encarregados. A anonimização de informações e o uso de criptografia tornam-se ferramentas indispensáveis para preservar a confidencialidade sem comprometer a publicidade registral. Além disso, os notários devem adotar medidas de segurança compatíveis com o risco, garantindo que o tratamento de dados pessoais seja proporcional ao ato praticado. A adequação à LGPD, longe de ser mera obrigação, constitui um novo parâmetro de qualidade institucional do serviço notarial.
CNB/MG – Como os notários devem equilibrar a publicidade dos atos com a proteção dos dados pessoais, conforme exigido pela LGPD?
Nelson Rosenvald – A tensão entre publicidade e privacidade exige dos notários um exercício constante de ponderação constitucional. O princípio da publicidade notarial visa assegurar a transparência e a oponibilidade erga omnes dos atos, mas deve ser compatibilizado com o direito fundamental à proteção de dados pessoais. O desafio consiste em determinar o grau de exposição necessário à validade do ato sem violar a intimidade dos envolvidos. A solução passa pela adoção de técnicas de minimização e pseudonimização, de modo que apenas as informações estritamente necessárias sejam publicadas nos registros.
A criação de sistemas eletrônicos de acesso controlado, com autenticação forte, também contribui para equilibrar publicidade e sigilo. Nesse novo ambiente, o notário assume papel de guardião da proporcionalidade entre visibilidade pública e tutela da privacidade individual.
CNB/MG – Professor, como o senhor vê a adoção de novas tecnologias, como blockchain e inteligência artificial, na otimização e modernização dos serviços cartorários?
Nelson Rosenvald – A incorporação de tecnologias como blockchain e inteligência artificial tem potencial de revolucionar o modo como os cartórios operam, tornando-os mais eficientes e transparentes. O blockchain oferece uma infraestrutura de registro distribuído e imutável, capaz de assegurar a integridade e a rastreabilidade dos atos notariais em tempo real. Já a inteligência artificial pode ser utilizada na triagem de documentos, verificação automática de autenticidade e detecção de inconsistências, sem substituir o juízo jurídico do tabelião. O desafio reside em integrar essas tecnologias à estrutura normativa existente, garantindo que a automação não fragilize o princípio da fé pública. O notariado deve se posicionar como protagonista dessa transformação, desenvolvendo padrões técnicos próprios e colaborando com o Estado na regulação do ecossistema digital. Ao fazê-lo, reafirma-se como instituição de confiança pública no século XXI, mediando a relação entre tecnologia e juridicidade.
Para se aprofundar nas reflexões do jurista Nelson Rosenvald e em outros temas fundamentais que moldam o futuro da atividade notarial, continue acompanhando nosso site. Siga também o Colégio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais (CNB/MG) em nossas redes sociais para ter acesso imediato a mais conteúdos exclusivos, análises e novidades do setor.
Fonte: CBN MG
Comentários