Cartórios impulsionam desjudicialização e aliviam a Justiça brasileira
- TI Infographya
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Atos desjudicializados pelos Cartórios já economizaram mais de R$ 9 bilhões aos cofres públicos
A crescente transferência de procedimentos do Judiciário para os Cartórios extrajudiciais vem revolucionando o acesso à Justiça no Brasil. Desde 2007, quando a Lei nº 11.441/2007 entrou em vigor, mais de 2,6 milhões de inventários e 1,1 milhão de divórcios consensuais deixaram de sobrecarregar os tribunais ao serem realizados diretamente em Cartório. Autoridades do setor apontam que esses números traduzem um fenômeno irreversível de desjudicialização, com ganhos de rapidez, economia e cidadania para a sociedade.
A Lei 11.441/2007 é considerada um divisor de águas por permitir inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais em Cartório, algo impensável antes em termos de volume. “Essa lei representa um grande avanço para toda a sociedade e para o Poder Judiciário, que mais uma vez pode contar com apoio dos Cartórios para redução do tempo de tramitação dos processos, prestando, dessa forma, serviço mais célere ao cidadão envolvido em conflitos”, destaca Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR). Na avaliação dele, ao delegar atribuições desjudicializadas aos Cartórios, a lei concretiza uma colaboração efetiva entre extrajudicial e Judiciário, abrindo caminho para novas medidas desjudicializantes nos anos seguintes.
Desde a Constituição de 1988, a procura pelo Judiciário explodiu e o país lida hoje com mais de 100 milhões de processos em tramitação. “O Judiciário tentou atender a esta demanda criando novas portas. Entretanto, estas novas portas não estão entregando o resultado esperado. Por isso, devemos repensar o Judiciário e deixar a cargo do juiz somente o que for necessário”, defende o juiz do TJDF, Márcio Evangelista.
Evangelista reforça que a delegação de atos de jurisdição voluntária aos Cartórios “é um caminho que não tem mais volta”, lembrando que muitas demandas podem ser resolvidas de forma mais simples e próxima do cidadão.
Economia de tempo e recursos
Além de absorver parte da demanda, os Cartórios comprovam eficiência e economia. Segundo dados apresentados no CNJ, “a segurança está nos profissionais capacitados nos Cartórios, que estão em constante aperfeiçoamento. Em termos de economia aos cofres públicos, na última década foram R$ 3,5 bilhões. E o controle se apresenta por meio dos provimentos, corregedorias locais e nacional”, ressaltou Márcio Evangelista, ao citar os resultados da Lei 11.441/07. Os procedimentos administrativos nos tabelionatos consomem menos recursos do Estado e ainda contam com fiscalização judicial (via corregedorias), garantindo transparência e legalidade.
Outro benefício destacável é a celeridade. Um processo de inventário judicial, que antes podia se arrastar por anos, hoje é concluído em questão de dias quando feito em Cartório. Em Santa Catarina, por exemplo, a Corregedoria local observou que, graças à lei de 2007, o tempo médio para concluir um inventário caiu para apenas duas semanas, em casos sem litígio, contra prazos de muitos meses ou anos na via judicial. “É uma nova possibilidade que vai facilitar a vida dos advogados e das famílias (…).
Certamente é uma medida que também vai agilizar sobremaneira o procedimento”, avaliou o notário Guilherme Gaya, 2º vice-presidente da ANOREG/SC, quando da expansão da escritura de inventário mesmo para casos com herdeiros menores (desde que a divisão de bens seja igualitária).
Exemplos concretos reforçam essa comparação de prazos. Pergunte a quem já se divorciou: é mais vantajoso passar meses na Justiça ou resolver tudo em poucos dias no Cartório? Não à toa, milhares de pessoas têm buscado diretamente os tabelionatos para dissolver casamentos de comum acordo. “São medidas que de fato trazem benefícios tanto para a Justiça, como para os cidadãos”, destaca Rogério Bacellar, citando a redução drástica de custo e tempo nos divórcios extrajudiciais. Na visão dele, os Cartórios hoje representam “o principal fator de contribuição para a desjudicialização no Brasil”, atuando como aliados do Judiciário ao absorver questões simples e liberando os juízes para conflitos de maior complexidade.
O ganho de capilaridade também é importante: “Muitas vezes não há juiz no município, e a mediação e conciliação podem e devem ser feitas por notários e registradores”, observa Márcio Evangelista. Os Cartórios estão presentes em todos os cantos do país, inclusive em cidades onde não há fórum ou juiz titular. Ao habilitar essas serventias a realizarem mediações, conciliações e outros atos, leva-se justiça a localidades remotas, diminuindo custos de deslocamento e acelera-se a solução de disputas de menor complexidade.
Cartório, porta de entrada da cidadania
Para além de agilizar negócios jurídicos, os Cartórios extrajudiciais despontam como espaços de cidadania. Nos registros civis de pessoas naturais, por exemplo, uma variedade de serviços hoje garante direitos básicos diretamente à população, do reconhecimento espontâneo de paternidade em balcão ao registro tardio de nascimento de adultos. “A dinâmica de vida passa pelos Cartórios de Registro Civil”, reflete o juiz corregedor Rafael Maas dos Anjos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao lembrar que é nas serventias que as pessoas obtêm os documentos essenciais para exercer a cidadania. Rafael coordena o Núcleo Extrajudicial do TJSC e lidera ações de incentivo à documentação de populações vulneráveis. Em 2023, ele participou da Semana Nacional do Registro Civil, iniciativa do CNJ para atender pessoas em situação de rua, e testemunhou os efeitos sociais dessa atuação: “As pessoas em vulnerabilidade social recuperam a dignidade por meio da confecção de documentos, do recebimento de benefícios e na identificação de oportunidades. A ideia de cidadania é restaurada”, observa o magistrado.
À frente da Corregedoria Nacional de Justiça desde setembro de 2024, o ministro Mauro Campbell Marques destacou o papel dos Cartórios na aproximação do Judiciário com o cidadão. Campbell aponta a necessidade de modernizar os 13 mil Cartórios do país e integrá-los ao sistema de justiça digital, citando a criação do Serp-Jud (plataforma de integração dos registros públicos). “A partir da eficiência dessas ferramentas dos Cartórios, incentivam-se também as medidas de desjudicialização, como, por exemplo, união estável, adjudicação compulsória, inventários com testamentos, dentre outros”, afirmou Campbell, referindo-se às inovações legislativas recentes que ampliam os procedimentos extrajudiciais. O objetivo, segundo ele, é usar a capilaridade e estrutura já existente dos Cartórios para ampliar o acesso à Justiça de forma rápida e desburocratizada, sobretudo às populações mais vulneráveis. “Todas as pessoas que atuam no Judiciário podem contribuir para atender demandas da sociedade, tornando-as acessíveis, sobretudo, aos mais vulneráveis”, disse Campbell.
Rafael Maas dos Anjos, que auxilia a presidência do TJSC, enxerga nos novos marcos legais um modelo sólido de cooperação entre Justiça e Cartórios. “Tais avanços legislativos permitem um arranjo capaz de ofertar aos usuários uma via ágil, eficiente e segura na resolução de demandas que não apresentam natureza contenciosa”, destacou
Maas dos Anjos. Em sua visão, quando não há litígio, a via administrativa deve ser primeira opção do cidadão: resolve-se rápido, com segurança jurídica e sem adversarialidade.
Desjudicialização confirmada em números
Os ganhos de eficiência e economia trazidos pelos Cartórios extrajudiciais ficam evidentes ao comparar o tempo e custo de diversos procedimentos com suas versões judiciais. Divórcios, inventários, reconhecimentos de paternidade e até casamentos homoafetivos realizados em Cartório são concluídos em questão de dias, contra esperas de anos na Justiça, e a preços muito menores ou mesmo gratuitamente. Por exemplo, um divórcio consensual extrajudicial pode ser finalizado em 1 dia, enquanto pela via judicial demora pelo menos dois anos, além de custar cerca de R$ 2,3 mil ao sistema judicial, contra algo em torno de R$ 300 em emolumentos no Cartório. No caso do reconhecimento de paternidade, a diferença é ainda mais marcante: o processo extrajudicial é imediato e gratuito, enquanto na Justiça demandaria anos e geraria custos significativos. Esse contraste se repete em vários atos, de inventários a casamentos homoafetivos –, explicando por que milhões de brasileiros têm optado pela via extrajudicial quando possível.
Os números consolidados da última edição do relatório Cartórios em Números, reforçam o impacto positivo dessa desjudicialização para a sociedade e o Estado. Desde a Lei nº 11.441/2007, que permitiu inventários e divórcios em Cartório, foram realizados mais de 2,3 milhões de inventários extrajudiciais, economizando aproximadamente R$ 6,2 bilhões aos cofres públicos. No mesmo período, os Cartórios oficializaram cerca de 1,1 milhão de divórcios diretamente, o que representa uma economia adicional em torno de R$ 2,7 bilhões em relação ao trâmite judicial convencional. Cada procedimento realizado fora do Judiciário significa um processo a menos nas varas, e, somados em escala nacional, esses atos liberaram recursos e tempo valiosos do sistema de Justiça, evitando sobrecarga dos tribunais. Também se destacam outros serviços extrajudiciais: por meio dos títulos protestados em Cartório, foram recuperados mais de R$ 14,7 bilhões em dívidas para os credores públicos apenas na última década, um caminho muito mais ágil e eficaz que a via da execução fiscal (que levaria anos). Esses resultados confirmam que os Cartórios não só absorveram parte considerável da demanda antes restrita aos fóruns, como o fizeram de forma ágil e economicamente vantajosa para o país.
Em síntese, os dados concretos corroboram a tese de que a expansão dos serviços extrajudiciais vem trazendo eficiência, economia e benefícios sociais de larga escala. Milhões de procedimentos que antes abarrotariam o Judiciário agora são resolvidos em Cartórios com rapidez e segurança, desafogando as varas judiciais e permitindo que juízes se concentrem em casos mais complexos ou urgentes. Ao mesmo tempo, a população ganha em praticidade e confiança, podendo solucionar questões de família, patrimônio e cidadania em tempo recorde e com menor custo. A desjudicialização, portanto, não é apenas um conceito abstrato, ela se materializa nesses números impressionantes de dinheiro poupado, demandas atendidas e satisfação do usuário. Os Cartórios brasileiros, respaldados pela lei e pela confiança popular, mostram na prática um modelo eficiente de parceria com o Estado, confirmando um avanço institucional que se reflete em ganhos reais para o cidadão e para a justiça brasileira.
Atos já desjudicializados em Cartório
Diversos procedimentos que antes tramitavam exclusivamente nos fóruns agora podem ser realizados diretamente em Cartório, de forma extrajudicial. Entre os principais atos já desjudicializados ou criados sob essa perspectiva, destacam-se:
Inventários e partilhas consensuais: Partilha de bens por escritura pública, se os herdeiros forem maiores capazes e estiverem de acordo (Lei 11.441/2007). Inclui também sobrepartilhas posteriores.
Separações e divórcios consensuais: Desde 2007 podem ser feitos em tabelionato de notas, sem ação judicial, quando não há filhos menores ou incapazes envolvidos. A Emenda Constitucional do Divórcio (2010) eliminou prazos e impulsionou essa via direta.
Reconciliação de cônjuges: Casais separados extrajudicialmente podem restabelecer o vínculo por escritura pública, informando o restabelecimento da sociedade conjugal.
Testamentos e doações: A lavratura de testamento público sempre foi ato notarial; permanece extrajudicial, com intervenção judicial apenas em caso de questionamento após a morte. Doações também são formalizadas em Cartório.
Reconhecimento espontâneo de paternidade: Pais podem reconhecer filhos diretamente no Registro Civil (provimentos do CNJ desde 2012 dispensam processo). Inclui reconhecimento socioafetivo (paternidade/maternidade por criação), possível em Cartório desde 2017.
Retificação de nome e gênero: Pessoas trans maiores de 18 anos podem adequar prenome e gênero nos documentos via Cartório (Provimento CNJ 73/2018), sem necessidade de sentença. Correções de erros ou informações em registros (nome, data, etc.) também são feitas administrativamente.
Casamento homoafetivo: Após decisão do STF e resolução do CNJ, desde 2013 os Cartórios celebram casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, garantindo igualdade de direitos sem necessidade de autorização judicial.
Apostilamento de documentos: Desde 2016, Cartórios de notas realizam a Apostila de Haia em documentos públicos para validade internacional, tarefa antes restrita a repartições consulares e tribunais.
Usucapião extrajudicial: A Lei 13.105/2015 (novo CPC) e a Lei 13.465/2017 passaram a permitir o reconhecimento administrativo de usucapião de imóveis. Com assistência de advogado e anuência de partes interessadas, o título de propriedade pode ser obtido em Cartório de imóveis, evitando ações que antes levavam 5 a 10 anos.
Regularização fundiária urbana (Reurb): A Lei 13.465/2017 facilitou a legitimação de propriedades informais mediante procedimentos extrajudiciais nos registros de imóveis, em coordenação com municípios, beneficiando moradores de loteamentos irregulares.
Retificação de área e registro imobiliário: Desde a Lei 10.931/2004, retificar medidas ou dados de imóveis pode ser feito diretamente no Cartório imobiliário competente, salvo oposição expressa (antes exigia sentença). Correções de registros (omissões, erros materiais) seguem procedimento administrativo na maioria dos casos.
Adjudicação compulsória extrajudicial: Recentes alterações legais (Lei 14.382/2022) permitiram que o comprador de imóvel que quitou o contrato, mas não obteve escritura por resistência do vendedor, possa registrar o bem via ata notarial e procedimento em Cartório, sem precisar acionar o Judiciário.
Cobrança de dívidas via protesto: Títulos executivos, inclusive Certidões de Dívida Ativa (débitos tributários), podem ser levados a protesto em Cartório. Essa medida recuperou cerca de R$ 14,8 bilhões aos cofres públicos entre 2013 e 2023, diminuindo a necessidade de execuções fiscais judiciais.
Mediação e conciliação extrajudicial: A Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação) prevê a mediação privada com validade legal. Provimentos em estados como SP e CE autorizam Cartórios a atuarem como câmaras de mediação e conciliação, especialmente em disputas de direito patrimonial disponível. A solução amigável obtida em Cartório, assinada em escritura ou ata notarial, constitui título executivo extrajudicial.
Arbitragem em Cartório: A Lei 14.133/2021 e o Marco Legal das Garantias (Lei 14.430/2023) ampliaram o leque extrajudicial, permitindo que tabelionatos de notas atuem em procedimentos arbitrais, em parceria com câmaras especializadas, dando mais uma opção rápida para resolver conflitos fora dos tribunais.
Novos negócios e garantias extrajudiciais: Inovações de 2023 autorizam os Cartórios a operarem mecanismos como escrow accounts (contas de depósito vinculadas para garantir contratos), execuções extrajudiciais de garantias reais (como a execução de hipoteca em Cartório), intimações eletrônicas e outros serviços que modernizam as relações contratuais. Esses atos do chamado Marco Legal das Garantias reforçam a posição dos Cartórios como facilitadores de crédito e desjudicialização de cobranças.
Cartórios: impulsionando a desjudicialização no Brasil
Passados mais de 15 anos do início desse movimento, o consenso entre especialistas é de que desjudicializar veio para ficar. “Devemos pensar no futuro, pois a desjudicialização é um caminho que não tem mais volta”, conclui o juiz Márcio Evangelista. Os resultados já colhidos, processos evitados, tempo e recursos economizados, indicam que fortalecer a parceria entre Poder Judiciário e Cartórios extrajudiciais beneficia toda a sociedade.
Gians Fróiz, AssCom ANOREG/BR
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