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Artigo - Cadastro Imobiliário Brasileiro une política fundiária e arrecadação

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    TI Infographya
  • há 10 minutos
  • 8 min de leitura

Em agosto de 2025, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB nº 2.275, disciplinando a adoção do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) como identificador único de bens imóveis urbanos e rurais e estabelecendo a forma de compartilhamento de informações e documentos relacionados a operações imobiliárias, por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), pelos serviços notariais e de registro.


A publicação da norma gerou desconfiança em parte da sociedade, sobretudo porque ocorreu em meio à reforma tributária, sendo noticiada como a criação de uma “malha fina do imóvel”. Essa leitura não é equivocada, mas convém destacar que o CIB não é uma novidade absoluta.


CIB e seu histórico

Já existem experiências anteriores de cadastros integradores, especialmente para os imóveis rurais, como é o caso do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (Cnir), vinculado ao Incra e à Receita Federal.


O CIB foi instituído pela Instrução Normativa RFB nº 2.030/2021, como módulo do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais. O Sinter agrega informações cadastrais das unidades imobiliárias rurais e urbanas, públicas ou privadas, inscritas nos respectivos cadastros de origem, localizadas no território nacional, em seu subsolo, no mar territorial ou em zona econômica exclusiva. Desde a sua origem, o CIB já foi pensado como um cadastro criado para a unidade imobiliária e não necessariamente para o imóvel urbano ou rural.


Já o Sinter foi originalmente criado em 2016 e hoje tem sua regulamentação no Decreto nº 11.208/2022, que também disciplina o CIB. O Sinter é a plataforma de integração que cruza dados cadastrais, geoespaciais, fiscais e jurídicos dos imóveis, recebendo informações dos serviços notariais e de registro, de entes federativos e de órgãos federais.

Nesse contexto, entre os objetivos oficiais do CIB e do Sinter, estão unificar e padronizar a identificação dos imóveis, agregar dados dos cadastros de origem (p. ex., CNIR/Incra e cadastros municipais) e permitir consultas descritivas e gráficas.


Destaca-se que a Receita não se torna a responsável pela gestão dos cadastros de imóveis,

como ocorre com o Incra no meio rural. A elaboração, manutenção e atualização dos cadastros continuam sob responsabilidade das entidades designadas por lei, como os municípios, cabendo à RFB, por meio do CIB, apenas a função de agregador de informações.


CIB e o registro de imóveis na atualidade

A evolução normativa demonstra que o CIB e o Registro de Imóveis caminham para uma integração cada vez maior. Recentemente, o Provimento CNJ nº 195/2025, ao alterar o Código Nacional de Normas Extrajudiciais (Provimento nº 149/2023 do CNJ), introduziu o artigo 440-AQ, estabelecendo que, na abertura de matrícula, além das informações previstas no artigo 176, II, da Lei de Registros Públicos, deverão constar obrigatoriamente:

a. o Código Nacional de Matrícula (CNM), padronizado em âmbito nacional;b. a indicação da área do imóvel, em metros quadrados para imóveis urbanos e em hectares para imóveis rurais;c. a descrição perimetral com georreferenciamento, com certificação prévia da poligonal no Incra para imóveis rurais, e obrigatoriedade em hipóteses específicas para imóveis urbanos;d. os códigos dos cadastros imobiliários obrigatórios, que incluem:

i. urbano: o Cadastro Imobiliário Fiscal (CIF) municipal e o CIB, quando implantado pela Receita Federal;ii. rural: o código do imóvel no CCIR/Incra, o NIRF ou CIB da

Receita Federal, e o código do CAR, além da informação sobre a nacionalidade da pessoa que detenha a maioria do capital social, nos casos de aquisição por pessoa jurídica, nos termos da Lei nº 5.709/1971.


Dessa forma, torna-se ainda mais evidente que o Registro de Imóveis está em harmonia com

a Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, que atribuiu aos serviços notariais e de registro a obrigação de adotar o CIB como identificador único dos imóveis. Com efeito, conforme artigo 5º da Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, o CIB deverá estar presente nos sistemas e documentos lavrados ou registrados a partir de um cronograma de implementação e consoante prazos do artigo 266, caput, I, b, da Lei Complementar nº 214.


Reforma tributária: reflexos do CIB no STN

O Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e o ‘valor de referência’ como instrumentos de integração informacional e valoração fiscal

O novo sistema tributário brasileiro, instituído pela Emenda Constitucional nº 132/2023, tem como uma de suas marcas a centralização de dados econômicos e fiscais em plataformas unificadas de informação. Essa integração é essencial para sustentar um modelo de arrecadação orientado pela rastreabilidade e pela transparência, no qual a administração tributária atua com base em informações contínuas e verificáveis. Nesse contexto, o CIB assume papel estratégico, extrapolando a função meramente cadastral para se tornar um instrumento de integração territorial, registral e fiscal entre os entes federativos e a Receita Federal.


A partir de sua implementação, a Receita passa a ter acesso direto e permanente a informações sobre titularidade, localização, área, uso e valor dos imóveis, urbanos e rurais. Essa vinculação obrigatória do CIB a atos notariais, registros imobiliários e cadastros municipais cria uma infraestrutura de dados capaz de permitir o monitoramento em tempo real de transações imobiliárias e de transferências de titularidade.


Essa base informacional também serve de suporte para a formação do chamado “valor de

referência”, previsto na Lei Complementar nº 214/2024 (artigo 256). Trata-se de uma metodologia de estimativa do valor de mercado dos imóveis, calculada a partir de dados de mercado, registros públicos e informações fornecidas por administrações tributárias municipais, estaduais e federais. O valor de referência deverá ser divulgado no Sinter, atualizado anualmente e sujeito a impugnação por procedimento próprio (§§ 2º e 3º do artigo 256). Além de poder ser utilizado como meio de prova nos casos de arbitramento (artigo 256, §1º), esse valor também pode ser adotado, por opção do contribuinte, para a fixação do redutor inicial de ajuste (artigo 258, I, “b”), aproximando o parâmetro administrativo da lógica de neutralidade fiscal.


A integração entre o CIB e o valor de referência representa avanço em termos de transparência e inteligência fiscal, mas também traz novos desafios. A utilização desses instrumentos amplia significativamente a capacidade da administração tributária de cruzar informações, o que reduza a evasão, mas também pode gerar efeitos indiretos sobre a tributação patrimonial e territorial.


O valor de referência, concebido como ferramenta de apoio à tributação sobre o consumo, pode irradiar efeitos sobre outros tributos, como o IPTU, o ITBI e o ITR. No caso do IPTU, por exemplo, é possível que os municípios utilizem o valor de referência como parâmetro auxiliar para atualizar suas Plantas Genéricas de Valores (PGV), resultando em elevação indireta das bases de cálculo. No ITBI, a comparação entre o valor declarado e o valor de referência pode fundamentar questionamentos automáticos quanto à subavaliação das transmissões imobiliárias. Já no ITR, a integração entre o CIB e o Sinter tende a aprimorar a fiscalização sobre a utilização produtiva da terra e a correspondência entre a área declarada e a efetiva ocupação do imóvel.


Assim, ainda que o valor de referência tenha sido criado para reforçar a efetividade dos tributos sobre o consumo (IBS e CBS), ele pode produzir reflexos relevantes sobre a tributação patrimonial.


Cruzamento de dados e a transparência nas relações locatícias: reflexos no IRPF e no IRPJ

Um dos impactos mais sensíveis do CIB, especialmente quando integrado ao Sinter e aos sistemas da Receita, será a possibilidade de rastrear o uso efetivo dos imóveis e de identificar discrepâncias entre o titular formal e o ocupante real. Essa funcionalidade altera substancialmente a dinâmica de fiscalização sobre a renda imobiliária, com repercussões diretas na tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).


Atualmente, é comum que contratos de locação não sejam formalizados por escritura pública nem declarados às autoridades fiscais, sobretudo nas relações entre pessoas físicas. Essa informalidade dificulta a identificação de rendimentos sujeitos à tributação e representa uma das principais fontes de evasão no âmbito do IRPF. Com o CIB, entretanto, a Receita Federal poderá cruzar as informações cadastrais do proprietário com os dados de ocupação obtidos a partir de registros municipais, concessionárias de serviços públicos e declarações de domicílio.


Essa capacidade de cruzamento automatizado permitirá identificar situações em que o proprietário não reside no imóvel, mas há indícios de uso contínuo por terceiros, o que poderá ensejar a presunção de existência de locação não declarada. Além disso, o monitoramento dos contratos formais, que passarão a exigir identificação do imóvel por meio do CIB, eliminará a possibilidade de ocultação de receitas de aluguel sob contratos privados

não registrados.


Para as pessoas jurídicas, os reflexos são igualmente relevantes. Empresas que possuam imóveis locados ou sublocados poderão ter seus registros confrontados com as informações cadastrais do CIB, permitindo à Receita verificar a coerência entre as receitas declaradas e a utilização dos bens. Essa integração reforça a tendência de criação de um “perfil fiscal patrimonial” das pessoas jurídicas, em que a congruência entre propriedade, uso e receita passa a ser monitorada de forma contínua.


CIB e seus efeitos sobre a tributação patrimonial e imobiliária

Embora a reforma tributária tenha foco na tributação do consumo, a infraestrutura criada para sustentar o IBS e a CBS inevitavelmente repercute sobre a tributação da propriedade e da renda imobiliária.


Ao permitir a identificação precisa da titularidade, localização e valor dos imóveis, o CIB oferece base para a modernização de tributos patrimoniais como IPTU, ITBI, ITR e o próprio IR sobre ganho de capital. A padronização das informações e o histórico registral integrado reduzem controvérsias sobre valores declarados, facilitam a apuração do ganho de capital e ampliam a capacidade de fiscalização sobre imóveis subutilizados ou mantidos com fins meramente especulativos.


No longo prazo, o CIB poderá ainda sustentar políticas de tributação progressiva sobre a propriedade, em linha com as diretrizes constitucionais do artigo 182, §4º, e do artigo 156, §1º, da Constituição. A disponibilidade de dados precisos e integrados permitirá que os entes federativos adotem critérios objetivos de diferenciação de alíquotas, seja em razão do uso, da localização ou do valor de mercado do imóvel, fortalecendo o princípio da capacidade contributiva.


Por outro lado, o uso fiscal do CIB exige cautela. A utilização de dados cadastrais para fins de valoração ou identificação de fatos geradores deve observar estritamente os limites da legalidade, evitando que um instrumento de transparência se transforme em mecanismo automático de presunção de riqueza ou de aumento indireto da carga tributária.


Considerações finais

A trajetória normativa recente demonstra que o CIB não é um instrumento isolado, mas parte de um movimento mais amplo de integração entre cadastros fiscais, territoriais e o Registro de Imóveis. Observa-se, portanto, que a Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 não deve ser recebida com reservas, mas compreendida como etapa necessária para a consolidação de uma infraestrutura nacional de dados territoriais, cuja eficiência dependerá da cooperação entre os entes federativos e da harmonização de procedimentos.


Sob a ótica tributária, a reforma tributária ampliou substancialmente o papel do CIB, transformando-o em elemento estratégico tanto para a administração da propriedade quanto para o controle e a arrecadação dos tributos. Com a integração promovida pelo Sinter, a Receita Federal passa a contar com dados atualizados sobre titularidade, uso e características dos imóveis, o que serve de base para a formação do valor de referência. Embora concebido para dar suporte ao IBS e à CBS e enfrentar problemas de subdeclaração, esse parâmetro tende a irradiar impactos para outras esferas tributárias, sobretudo na valoração de ativos e na apuração da renda imobiliária.


O compartilhamento estruturado de informações entre cartórios, municípios e a Receita contribui para reduzir inconsistências cadastrais e fortalecer a qualidade das bases de dados que sustentam a tributação sobre propriedade, renda e operações imobiliárias. Ainda assim, é fundamental que o avanço tecnológico venha acompanhado de limites claros ao uso fiscal dessas informações. O CIB deve servir como ferramenta técnica para aprimorar a administração tributária, e não como atalho para presumir valores ou renda sem respaldo legal. A preservação da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica é essencial para que a ampliação da capacidade informacional do Estado não resulte em excessos.


Em última análise, a consolidação do CIB depende da capacidade institucional de equilibrar integração de dados e proteção das garantias do contribuinte. Se bem implementado, o cadastro se tornará um elo relevante entre a política fundiária e o sistema tributário, contribuindo para um ambiente de maior previsibilidade, racionalidade e estabilidade na aplicação das normas fiscais.


Fonte: Conjur

 
 
 

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