O Direito de Família, influenciado pela Constituição de 1988, reconhece diversas entidades familiares e destaca a afetividade como fonte de direitos civis, especialmente no Registro Civil das Pessoas Naturais, garantindo segurança jurídica e publicidade aos atos essenciais da vida civil.
Hodiernamente, como reflexos da CF/88 (arts. 226 e 227) , observa-se que o Direito de Família se tornou muito mais inclusivo às diversas espécies de entidades familiares aceitas e suas relações decorrentes, as quais repercutem no âmbito da pessoa humana, com o destaque deste texto para a afetividade como fonte de direitos civis que se concretizam no Registro Civil das Pessoas Naturais.
Nesse cenário, temos o RCPN – Registro Civil das Pessoas Naturais como o serviço público delegado do Estado, por meio de concurso público fiscalizado pelo Poder Judiciário (art. 236, CF/88), com as atribuições registrais de zelar pela pessoa civil e sua dinâmica social, na concentração de registros de sua existência, assim como suas mudanças ao longo da vida que sejam relevantes a fim de gerar publicidade, eficácia perante terceiros e segurança jurídica. Isso porque irá realizar os registros de nascimento, casamento, óbito, emancipação, ausência, morte presumida, transcrição de assentos realizados no estrangeiro entre outros assentamentos civis no Livro E; além de suas alterações serem averbadas e atos subsequentes serem anotados por meio de remissões aos respectivos registros e estarão disponíveis por meio de certidão atualizada.
Inicialmente, a pessoa ao nascer com vida terá a atribuição do nome civil (art. 16 do Código Civil e arts. 54, 4º e 55 da lei 6.015/1973- LRP), que se compõe de prenome e sobrenome, tendo este último origem direta nos seus ascendentes (sobrenomes de pais, mães, avós, antepassados em geral desde que comprovados por certidão de registro civil no momento do registro), em respeito aos princípios norteadores da segurança jurídica, continuidade, uniformidade e verdade real ou registral1.
Após o nascimento, podem ocorrer alguns acontecimentos na vida civil que terão como consequência alterações de nome. Tais alterações e seu histórico foram esmiuçadas no artigo do magistrado, professor e doutor Vitor Frederico Kumpel2, que vale a leitura. Como exemplo, hoje temos como hipóteses de alteração de nome aquelas previstas na LRP e nos provimentos destinados a regulamentação das serventias extrajudiciais (Provs. 151, 152, 153/23 do CNJ); a oposição de mudança de nome quinze dias após o nascimento por um dos pais (art. 55,§4º); retificação (art. 110); erro de grafia; alteração de nome após a maioridade (art. 56); alteração de nome e sexo (Prov. 149/23, CNJ); adoção (art. 47 da lei 8.069/90); exposição ao ridículo; reconhecimento de filiação biológica (art. 1.609 do CC e Prov.16/12, CNJ) ou socioafetiva (art. 505 a 511 do Provimento 149/22 do CNJ); pela constituição do casamento, união estável ou pelo divórcio ou sua dissolução, respectivamente; ou exclusão de sobrenomes por negatória de paternidade, abandono afetivo (essas últimas, apenas pela via judicial) entre outras situações possíveis que são averbadas no assento de nascimento, como inscrições da “cadeia registrária” ou na linha do tempo do indivíduo.
Nota-se a relevante mudança de paradigma das últimas décadas quanto ao antes rígido Princípio da Imutabilidade do Nome, que sofreu flexibilização notável ao permitir que o indivíduo tenha maior liberdade na escolha de seu próprio nome e que corresponda a sua verdade de vida. Isso significou o reconhecimento da importância dos vínculos familiares atrelados e publicizados ao direito de personalidade, também chamado direito de identificação social encontrado suas origens no direito italiano.
No artigo das autoras e magistradas paulistas Tânia Mara Ahualli e Renata Mota Maciel Dezem foi desenvolvido o tema do nome como direito da personalidade e desdobramento do direito à identidade pessoal, garantido constitucionalmente em decorrência do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana como alicerce de todo o sistema jurídico. O estudo deixa claro que o Princípio da Imutabilidade do Nome não é mais absoluto como outrora foi, por permitir novas hipóteses de flexibilização.
Nesse contexto, é importante ressaltar que o histórico de todas essas novas hipóteses de alterações de nome atuais, ocorreu de forma paulatina e, principalmente, com o movimento jurídico decorrente da jurisprudência ao realizar a interpretação da legislação, em especial da própria LRP em conformidade com a Constituição Federal, para concretização de direitos fundamentais do ser humano na casuística apresentada. Esse fenômeno jurídico gerou a transformação de entendimentos consolidados jurisprudenciais em nova legislação, provimentos estaduais e, também, nacionais propostos pelas Corregedorias Gerais dos Tribunais Estaduais e do CNJ4 para os serviços extrajudiciais (lei 8.935/94, LNR e LRP).
Essa notável mudança de paradigmas das últimas décadas sob o viés da força normativa da constituição e sua aplicação pelo Poder Judiciário, era mais do que evidente ocasionar reflexos como a desjudicialização de algumas hipóteses de alterações de nome. Tal estudo foi defendido em tese de doutorado5 por esta autora que identificou caminhos para aperfeiçoar esses direitos diretamente pelas serventias de RCPN em contribuição ao movimento da desjudicialização. Muitas dessas alterações já eram muito almejadas pela sociedade e pelos estudos dos mecanismos de facilitação propostos pelo próprio Poder Judiciário para atender metas de eficiência e justiça, principalmente em casos como esses que não envolvem litígios, conflito de interesses ou prejuízo à terceiros. Além disso, o RCPN por conter uma sistemática voltada a garantir segurança jurídica e sua publicidade exteriorizada por meio de certidões, facilitou essa flexibilização por garantir o equilíbrio entre o interesse do Estado e da sociedade6.
Assim, os pedidos de alterações de nome se tornaram frequentes e seu deferimento consolidado na jurisprudência dos tribunais, inclusive dos tribunais superiores, somados a alguns artigos e trabalhos acadêmicos sobre o tema, tivemos uma repercussão positiva e sua concretização na alteração legislativa ocorrida com a promulgação da lei 14.382/22. Essa nova diretriz, promoveu alterações substanciais na LRP que trouxeram ainda mais hipóteses, expressamente previstas, de alterações de nome (prenome e sobrenome) de maneira célere diretamente pelo Registro Civil das Pessoas Naturais, com notável contribuição para a desjudicialização, assunto bastante em voga pelos profissionais do direito e, em especial pela função social do RCPN que permite sanar esse pleito para a sociedade e exercício da cidadania.
Após essa breve contextualização, faz-se um corte estratégico para o foco deste artigo que busca tratar de uma hipótese de alteração de nome específica trazida pela lei 14.382/22 diretamente no RCPN: a inclusão de sobrenome do padrasto ou madrasta no nome da pessoa natural, que passaremos a detalhar.
Esta hipótese decorre da dinâmica das relações sociais nas famílias e seus recasamentos, em segundas, terceiras núpcias, enfim, na busca da felicidade, denominadas também famílias mosaicas ou reconstruídas pela doutrina, que trazem a afetividade para maior destaque. A afetividade como norteadora do direito das famílias atual não pode ser negada. A afetividade somada a tudo que a envolve na convivência dos indivíduos de maneira duradoura, com o reconhecimento público e ativo deste elo familiar, bastante fortalecido e visível, adquire vínculos civis decorrentes do afeto nutrido entre os envolvidos, como exemplo a filiação socioafetiva7. Essa dimensão da força do vínculo da sociafetividade foi reconhecida pelos Tribunais Superiores8 que acolhem as famílias recompostas e seus direitos.
Todavia, antes de um reconhecimento de filiação socioafetiva, ou mesmo não sendo o interesse em estabelecer o vínculo civil de filiação propriamente dito, pode existir uma família na qual o padrasto ou madrasta exercem um papel muito importante para um(a) filho(a) de seu companheiro(a) ou cônjuge.
Os padrastos e/ou madrastas podem exercer um papel paternal/maternal de grande relevância na vida da pessoa, em harmonia e cooperação com os pais registrais em sua trajetória de vida. Atualmente, em razão de grande número de recasamentos na sociedade brasileira temos um desenvolvimento do tema com maior aceitação e compreensão, sem estigmas ou preconceitos9 originados nos contos de fadas. Até mesmo sob o viés psicológico, podemos afirmar que na esfera multidisciplinar10 em apoio as famílias reconstituídas, exigem muitos trabalhos desenvolvidos que colaboram com a compreensão desses laços em sua harmonização.
Padrastos e madrastas que acompanham desde tenra idade os filhos de seu cônjuge em suas conquistas diárias, motoras, avanços no desenvolvimento infantil, escolar, em consultas médicas, cuidados de saúde, estímulo na prática de atividades escolares ou extracurriculares, viagens, datas comemorativas e tudo mais que os pais participam (ou deveriam participar), estão também os padrastos e madrastas compartilhando muitos momentos da vida e da família na sua esfera privada com seu companheiro e/ou cônjuge em apoio na criação dos filhos de relacionamentos anteriores, com a participação, algumas vezes, muito maior do que os próprios parentes.
A civilista Maria Berenice Dias11 afirma que é o sobrenome que identifica uma pessoa ser filha de alguém, e ao considerar as famílias reconstituídas nas quais a genitora, exemplifica a autora, já possua o sobrenome do padrasto (decorrente de união estável formalizada ou casamento), ou vice versa, pela possibilidade atual de ambos os cônjuges e companheiros incluírem o sobrenome do outro12. Essa família poderá gerar outros filhos os quais terão sobrenomes diferentes dos filhos do relacionamento anterior, e muitas vezes isso pode ser uma fonte de problemas emocionais para algumas crianças que convivam juntas, ao comparar os seus sobrenomes com o dos irmãos e se sentirem excluídos ou não parte daquela família. Percebe-se que as famílias recompostas possuem um maior desafio para integrar os filhos de seus diferentes relacionamentos.
Outras vezes, a relação pode decorrer do falecimento do pai/mãe biológicos (viuvez), ou, ainda, de abandono afetivo real do pai/mãe biológicos cuja ausência de responsabilidades afetivas, sustento e/ou financeiras na criação de seus filhos, gera um gap emocional a ser suprido pelos amorosos padrastos e madrastas que exercem de fato esse papel com protagonismo. Os padrastos e madrastas passam a exercer um papel importante e se tornam um exemplo parental natural nessa convivência mútua, a qual pela afetividade recíproca desenvolvida ao longo da vida se consubstancia em interesses jurídicos.
Nesses casos pode surgir a vontade desse enteado(a) de incluir o sobrenome do seu padrasto ou sua madrasta em seu nome como uma homenagem a tudo que representa em sua vida e por viverem em família, de forma natural, esta chamada de mosaico ou reconstituída. Essa situação se revela da vida cotidiana atual, como uma realidade inegável decorrente do convívio construído com amor, afeto e presença, na busca pela felicidade por com diretrizes eudemonistas e que se tornaram objeto de novos olhares do Direito das Famílias.
Importante mencionar que antes do ordenamento jurídico permitir expressamente o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, tivemos a promulgação da lei 11.924/09 que ficou conhecida como Lei Clodovil, pois teve o saudoso deputado como autor, a qual incluiu o §8º no art. 57 da lei 6.015/73. Este parágrafo permitiu ao enteado adotar o nome de família do padrasto, justamente porque, muitas vezes, a relação entre os mesmos é semelhante àquela que liga pai e filho, padrastos ou madrastas que criam os filhos de sua companheira/cônjuge como se seus próprios filhos fossem.
Nas justificativas do projeto de lei, o deputado deixou claro que o acréscimo não trataria da retirada do nome de família do pai, mas de simples acréscimo de outro nome. Ademais, que o padrasto deveria expressar sua concordância com o acréscimo de seu sobrenome, além da possibilidade de qualquer das partes poder cancelar o aditamento, desde que ouvida a outra. Tal possibilidade apenas era possível na via judicial.
Em consonância ao tema, na jurisprudência do TJ/SP tivemos precedente administrativo da 2ª vara de Registros Públicos do TJ/SP proferido pelo juiz Corregedor Permanente Exmo. dr. Marcelo Benacchio13 que permitiu a alteração do nome para inclusão do sobrenome do padrasto decorrente de ação de retificação de assento de nascimento com fundamento nos arts. 109 e §8º, 57 da LRP, o qual teve manifestação favorável do Ministério Público e sinalizou que antes da alteração legislativa de 2009, já havia farta jurisprudência sobre o tema14. No caso houve comprovação da relação conjugal entre o padrasto e mãe, além do vínculo afetivo, e assim, o pedido por não obstar a identificação das estirpes familiares às quais pertencia o requerente, possibilitou o deferimento da homenagem à uma figura por quem o autor sentia apreço- seu padrasto.
No mesmo sentido, no TJ/RS encontramos um precedente também após o advento da lei 11.924/09 no qual o relator Exmo. des. Luiz Felipe Brasil Santos15 permitiu a inclusão do sobrenome do padrasto com respaldo jurídico e registral às relações afetivas externadas objetivamente no âmbito familiar entre padrasto/madrasta com seus enteados. Destaca-se que foi mencionado no julgado que o acréscimo do sobrenome promove o pleno exercício da personalidade por parte do enteado(a), pois, além de manter resguardada a sua origem ancestral, adapta o registro civil à realidade fática das relações afetivas familiares, desde que haja a concordância dos envolvidos, mesmo em situação em que o padrasto já havia dissolvido a relação conjugal com a genitora. Fato este que demonstra que o vínculo da afetividade é forte e indissolúvel, além de passar a integrar o direito de personalidade do enteado(a), cabendo apenas a ele o direito de excluir.
Ademais, em alguns julgados objetos dessa pesquisa16, foi ainda entendido não haver necessidade de anuência do pai biológico por não haver nenhum prejuízo à relação anterior, pois permanecerá o autor com o sobrenome paterno, além de encontrar amparo em dispositivo legal expresso da LRP17.
Em todos os julgados encontrados para estudo sobre o tema observa- se a permissão de inclusão do sobrenome do padrasto com restrição quanto a exclusão de sobrenomes ancestrais originais, sejam maternos ou paternos. Nesses casos, deve-se permitir a exclusão apenas e, excepcionalmente, se ficar comprovado, por exemplo, abandono afetivo que justifique o pedido e, restrito à esfera judicial, por demandar maior dilação probatória.
Outros julgados18 mais recentes também foram encontrados no sentido de permitir a inclusão do sobrenome do padrasto, com concordância do interessado, do padrasto e da genitora, mesmo sem concordância do pai biológico, e sem exclusão de identificação com a estirpe registral/biológica.
Considerando os julgados e a evolução da doutrina no âmbito da afetividade, já se entendia plausível19 a possibilidade desta alteração ser promovida diretamente no RCPN, independente de ação judicial por entender a questão de maneira prática e sem litigiosidade que justifique a propositura do Poder Judiciário. Ademais, na contribuição das serventias extrajudiciais com a desjudicialização em benefício da sociedade e ao Acesso à Justiça multiportas, que já é uma realidade em suas diversas especialidades.
Entretanto, apesar de um direito evidente e reconhecido reiteradamente na jurisprudência, sem regulamentação normativa ou padronização, seria mais difícil ao oficial realizar essa alteração diretamente, pois demandava um provimento no âmbito estadual pelo TJ ou nacional pelo CNJ que fosse específico com a hipótese, para trazer maior segurança jurídica na prática do ato pelas serventias extrajudiciais.
Assim, o texto do §8º, do art. 57, da LRP teve uma aclamada alteração promovida pela lei 14.382/22, que está em vigor, ao ampliar o texto tanto do caput – com a orientação de que a alteração posterior de sobrenomes poderá ser requerida pessoalmente perante o oficial de registro civil com a apresentação de certidões e documentos para as alterações de nome – quanto do parágrafo 8º. Passemos a sua análise.
O parágrafo 8º teve alteração de seu texto, pois antes previa o requerimento ao juiz para passar a prever o requerimento ao oficial de registro civil. Essa alteração textual tornou o procedimento muito mais célere, econômico, extrajudicial e simplificado, pois pode ser promovido diretamente no cartório de registro civil, sem necessidade de propositura de ação e provimento jurisdicional, por se tratar de um tema que não demanda maior dilação probatória ou lide, apenas manifestação de vontades e comprovações documentais.
Ainda, adequou-se o texto para incluir além da previsão de averbação do sobrenome no assento de nascimento para, também, a averbação no assento de casamento de maneira expressa. Essa inclusão demonstra maior técnica jurídica e conhecimento avançado do direito registral, pois fica clara a necessidade de atendimento ao princípio da continuidade dos registros públicos para maior segurança jurídica. Uma vez que não basta apenas promover a alteração do sobrenome no registro de nascimento, pois ao se tratar de uma pessoa casada, divorciada ou viúva, será necessário, também, promover a alteração com a averbação no seu assento de casamento a fim de evitar assentamentos divergentes, e que prejudicam a dinâmica registral. Apesar de não mencionado na lei, entende-se que essa mesma lógica se aplica a eventual assento de união estável, devendo ser realizada a atualização de nome da mesma forma que no casamento do enteado(a).
Foi mantida a condição de ser necessário ter a concordância expressa dos envolvidos: enteados e padrastos ou madrastas. Ainda, permaneceu o texto de não haver prejuízo aos apelidos de família, o que significa dizer que não deverá haver a exclusão de nenhum sobrenome originário do(a) enteado(a).
Uma vez entrada em vigor a lei supramencionada com a alteração concreta do §8º do art. 57 da LRP, os cartórios já poderiam realizar o ato em razão da lei ser autoaplicável. Entretanto, a regulamentação normativa de suas corregedorias seria interessante para sanar dúvidas procedimentais e padronização para evitar qualquer questionamento a posteriori do ato praticado.
Nessa linha de raciocínio, o CNJ publicou o Provimento 153/23, do qual se extrai os arts. 515-N a 515 T que uniformizaram toda a prática dos procedimentos de alteração de nome, seja prenome ou sobrenome, inclusive quanto ao procedimento em estudo de inclusão do sobrenome do padrasto ou madrasta nos cartórios de registro civil de maneira extrajudicial.
Assim, observa-se que para realizar essa inclusão de sobrenome atualmente, basta se direcionar ao cartório de registro civil de sua livre escolha e realizar o requerimento escrito que contenha a qualificação do requerente (enteado ou enteada), a indicação de como ficará seu nome após a inclusão de sobrenome (podendo adotar qualquer ordem inclusive intercalação de sobrenomes como preferir), juntamente com os documentos de identificação originais do enteado(a) e do padrasto/madrasta, concordância de ambos envolvidos por escrito, sendo recomendável colher pessoalmente e, ainda, o requisito do consentimento dos pais registrais.
Esse consentimento dos pais registrais ou biológicos, com máxima vênia, não está previsto expressamente na lei, mas conforme estudo da jurisprudência trazido anteriormente, haviam alguns entendimentos nesse sentido de ser relevante a anuência dos pais registrais para evitar o seu questionamento futuro. Tal consentimento se torna relevante, principalmente, nos casos de menores de idade pelo alcance dos institutos da representação ou da assistência, e do poder familiar.
Em se tratando de enteado(a) maior de idade, poderia gerar uma dúvida relevante sobre a necessidade de se apresentar anuência dos genitores biológico, pois fazendo um comparativo com um ato de maior repercussão como a filiação socioafetiva (Prov. 149/23 CNJ), não foi uma exigência para o procedimento nesse caso. Logo, podemos refletir se seria o mesmo caso e permitir a aplicação, por analogia, da desnecessidade do consentimento dos pais registrais também para alteração de nome decorrente de inclusão do sobrenome do padrasto/madrasta.
Entretanto, na ausência deste consentimento dos pais registrais seja por impossibilidade justificada seja por outro motivo apresentado pelas partes caberá ao Oficial emitir nota devolutiva a qual poderá impulsionar a suscitação de dúvida pela parte que será encaminhada ao juiz corregedor permanente competente para dirimir a questão, na via extrajudicial e administrativa (arts. 198 e 296, LRP).
O provimento 153 do CNJ também prevê a necessidade de incluir no requerimento o motivo justificável do pedido, que será presumido com uma declaração da relação de afetividade decorrente do padrasto ou madrasto pelo convívio familiar das partes. Importante esclarecer que essa declaração não importa em reconhecimento de filiação socioafetiva, pois para se proceder ao reconhecimento de filiação se faz necessário o pedido próprio do reconhecimento socioafetivo de forma expressa, de acordo com os demais dispositivos do Provimento Nacional 149/23 do CNJ (arts. 505 a 511) se realizados no cartório extrajudicialmente, ou pela via judicial, que demandam a apresentação de outros documentos e comprovações que se façam necessárias para formalizar o vínculo civil.
Percebe-se que esta claro no provimento que a inclusão de sobrenome de padrasto/madrasta pode servir como um meio de prova da filiação socioafetiva a ser apresentada em um futuro e eventual procedimento de reconhecimento de filho socioafetivo em cartório ou judicialmente. Sendo, portanto, evidente a diferença da inclusão de sobrenome decorrente do padrastio ou madrastio; e o reconhecimento de filiação socioafetiva propriamente dito, que são situações diferentes, ou até mesmo, uma possível fase preparatória para o reconhecimento futuro e eventual, se houver essa vontade manifestada.
Ademais, a relação do padrasto ou madrasta deverá ser feita com a apresentação de certidão de casamento ou sentença judicial, escritura pública ou termo declaratório da união estável que comprove essa relação entre um dos pais registrais e o padrasto/madrasta.
O requerimento com a manifestação dessas vontades deverá ser feito presencialmente perante o RCPN, permitida e equiparada a esta, a manifestação eletrônica na forma do § 8º do art. 67 da lei 6.015, de 31/12/73. Entretanto, importante mencionar que este dispositivo demanda regulamentação em alguns estados por seus tribunais, pois ainda não foi normatizado pelo CNJ a nível nacional (até o momento em que escrito esse artigo).
Como informado anteriormente, o procedimento de inclusão de sobrenomes, como qualquer outro procedimento extrajudicial de alteração de nome no registro civil das pessoas naturais, pode ser realizado perante o RCPN de livre escolha das partes. Isso porque se o cartório escolhido não for o que lavrou o assento de nascimento ou casamento (detentor do assento registral da pessoa), irá remeter o procedimento para o cartório do registro originário pela
Central de Informações do Registro Civil (CRC) a qual contém conexão imediata entre todos os cartórios brasileiros para conclusão da qualificação jurídica do pedido e a averbação do novo sobrenome. Nesse sistema, será feito o envio do procedimento para o cartório do assento e, após a averbação ser concluída, a certidão atualizada será remetida eletronicamente para o cartório que realizou o pedido do requerente, que materializa essa certidão atualizada e já a entrega. Importante mencionar que nesse caso, haverá a cobrança de dois procedimentos, de acordo com a tabela de emolumentos estaduais de cada cartório, o que pode ser consultado antes de efetivar o pedido, mas que na maioria dos casos, compensa todo o tramite documental e demora que haveria se fosse necessária a remessa postal ou o deslocamento ao cartório de origem do assento.
Necessário dizer que a CRC se tornou um importante mecanismo de tráfego entre os registradores civis e apta a solucionar os trâmites de envios eletrônicos, evitando assim a via das correspondências postais e seus imprevistos (falhas, extravio, greve, perda ou demora) ou mesmo custos de deslocamento em uma sociedade em que o tempo é cada dia mais escasso. O ganho de tempo e custos pela sua celeridade, controle e eficiência, é muito maior pelo trafego eletrônico e informatização das serventias de RCPN, cabendo aos oficiais garantir a sua operabilidade perante os usuários.
Esta opção facilita quem reside ou trabalha em local diverso do cartório o qual consta seu nascimento ou casamento/união estável, pois poderá se direcionar ao cartório mais próximo para realizar o ato e, ainda, poderá enviar a documentação com toda fé pública necessária na colheita do procedimento que foi realizado para qualificação secundária no cartório de origem e seu cumprimento. O usuário terá o retorno célere com a emissão da certidão pelo cartório solicitante que entrega ao usuário diretamente.
Assim, veja que o procedimento é célere, econômico, facilitado e pode ser realizado diretamente perante o cartório de registro civil das pessoas naturais com a documentação mencionada acima e sob orientação do Oficial do cartório respectivo. Basta, portanto, o comparecimento pessoal do enteado(a) e madrasta/padrasto para requerimento do pedido com os documentos mencionados acima e sua concretização que representa um grande avanço no direito das famílias, em consonância ao Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana no seu direito de personalidade e no âmbito civilista da afetividade, tendo como personagem de ação, o registro civil das pessoas naturais com toda sua capilaridade, presente em todos os municípios brasileiros prestando assim, um serviço público essencial à sociedade.
Fonte: Recivil
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