APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA - INCIDÊNCIA - LUCROS CESSANTES - CUMULAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - ATRASO EXCESSIVO - JUROS DE MORA - TERMO INICIAL - DATA DA CITAÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - COMPENSAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE.
- A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes, conforme julgamento do STJ, em sede de recurso repetitivo, REsp nº 1.498.484/DF.
- Há dano moral no atraso na entrega do imóvel por período superior a 02 (dois) anos, pois ultrapassa a adversidade natural dos tempos modernos, notadamente quando o longo período é o fator de incontáveis desgastes psicológicos.
- Quando se trata de indenização por dano moral em razão de relação contratual, os juros de mora incidem desde a citação.
- É vedada a compensação dos honorários advocatícios em caso de sucumbência parcial.
Apelação Cível nº 1.0024.13.209986-2/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Construtora Tenda S.A. - Aptes Adesiv:
Aldo Boaventura de Oliveira e outra, Mércia Evangelista Franca - Apelados: Construtora Tenda S.A., Aldo Boaventura de Oliveira e outra, Mércia Evangelista Franca
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar parcial provimento ao apelo principal e negar provimento ao apelo adesivo.
Belo Horizonte, 01 de setembro de 2020. - Kildare Carvalho - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Trato de apelações interpostas em face da r. sentença de f. 201/208, proferida nos autos da Ação de Indenização ajuizada por Aldo Boaventura de Oliveira e outra, ora apelantes adesivos, em desfavor da Construtora Tenda S.A., ora apelante principal, via da qual a MM. Juíza de Direito da 34ª Vara Cível da comarca de Belo Horizonte julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescido de mora e correção monetária a partir da sentença, e danos materiais no valor de R$ 8.102,72 (oito mil cento e dois reais e setenta e dois centavos), acrescido de juros de mora a partir da citação e correção monetária desde a propositura da ação.
Condenou as partes ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação, na proporção de 80% para a ré e 20% para os autores. Isentou os autores do pagamento em razão da justiça gratuita.
Inconformada, a ré interpõe apelação principal (f. 209/224-TJ), ao argumento de que firmaram acordo com as partes para o pagamento de multa contratual, sendo emitido recibo pelos apelados com quitação plena, geral e irrevogável. Afirma que a transação extingue a controvérsia da relação jurídica.
Afirma serem indevidos os danos morais, por ausência de violação aos direitos tutelados pelo art. 5º, X, da Constituição.
Postula a redução do quantum fixado a título de danos morais.
Afirma que há sucumbência recíproca, o que impõe a compensação dos honorários advocatícios.
Preparo às f. 225/226-TJ.
Apelação Adesiva interposta pelos autores às f. 235/238-TJ, em que postulam a majoração da quantia fixada a título de danos morais e que a incidência dos juros de mora se dê a partir do evento danoso.
Requerem o arbitramento de honorários recursais.
Sem preparo, posto litigarem sob os benefícios da justiça gratuita.
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Publicação: 16 de março de 2021 dje.tjmg.jus.br Edição nº: 49/2021 Página 43 de 50 Contrarrazões ao apelo principal às f. 228/233-TJ e ao adesivo às f. 241/252-TJ, e pugnam os apelados pelo desprovimento dos recursos.
Foi determinado o sobrestamento deste feito, em razão de afetação dos temas 970/971 pelo Superior Tribunal de Justiça, voltando a tramitar em razão do julgamento do recurso repetitivo.
É o relatório.
Conheço dos recursos, presentes os pressupostos para sua admissão.
Examinarei em conjunto as apelações, para melhor elucidação das controvérsias recursais.
Compulsando os autos, verifica-se que as partes celebraram contrato de compra e venda do imóvel constituído pelo apartamento 101, Bloco 02, do Residencial Fernão Dias Tower, situado na Rua Aiuruoca, nº 25, Bairro Fernão Dias, em Belo Horizonte (f. 24/28-TJ).
A previsão contratual para entrega do imóvel era 30 de outubro de 2009 (f. 24-TJ), todavia o bem só foi entregue aos autores em 19 de dezembro de 2011 (f. 31-TJ).
O inconformismo do réu diz respeito tão-somente à impossibilidade de aplicação da multa contratual, em virtude da transação firmada entre as partes (f. 154-TJ), em que restou estabelecido o pagamento da quantia de R$ 2.881,67 (dois mil oitocentos e oitenta e um reais e sessenta e sete centavos) referente à multa por atraso de 140 (cento e quarenta) dias de atraso, bem como a quantia de R$ 9.308,33 (nove mil trezentos e oito reais e trinta e três centavos), paga na negociação de financiamento bancário, referente a 456 (quatrocentos e cinquenta e seis) dias de atraso.
É certo que a transação firmada pelas partes à f. 154-TJ extinguiu a controvérsia relativa à multa por atraso na entrega da obra, para a qual há quitação plena, geral e irrevogável.
Todavia, os autores postulam na inicial o pagamento dos danos morais suportados pelo atraso na entrega da obra e os danos materiais, concernentes aos aluguéis, IPTU, taxas de condomínio, taxa de seguro contra incêndio referentes ao imóvel alugado, no período de atraso da obra, necessário para a moradia da família.
O réu se insurge quanto ao ressarcimento dos valores pagos a título de aluguel pelos requerentes, ao argumento de que não seria possível a cumulação da cláusula penal, quitada na transação de f. 154-TJ, com o pagamento de danos materiais.
A cláusula VI, parágrafo segundo, do contrato firmado entre as partes, estipulou o seguinte em caso de mora na entrega do imóvel:
"Se a Tenda não concluir a obra no prazo fixado, observada a tolerância descrita no caput desta cláusula, pagará a Tenda ao comprador, a título de pena convencional à quantia que equivale a 0,5% (meio por cento) do preço da unidade à vista, por mês ou por fração do mês de atraso, sendo este valor exigível desde o 1º (primeiro) dia de atraso, contados a partir do transcurso do prazo de tolerância (180 dias) até a data da entrega da unidade pela tenda ao comprador." (f. 38-TJ).
Indubitável, portanto, a natureza de cláusula penal moratória para o caso de atraso na entrega da obra, como dispõe o art. 409 do Código Civil:
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Porém, como já foi realizado o pagamento da cláusula penal moratória estabelecida contratualmente, não há a possibilidade de serem cumulados os lucros cessantes, conforme, inclusive, decidiu o STJ em julgamento recente, em sede de recurso repetitivo, tema 970:
“Recurso especial representativo de controvérsia. Compra e venda de imóvel na planta. Atraso na entrega. Novel Lei nº 13.786/2018. Contrato firmado entre as partes anteriormente à sua vigência. Não incidência. Contrato de adesão. Cláusula penal moratória. Natureza meramente indenizatória, prefixando o valor das perdas e danos. Prefixação razoável, tomando-se em conta o período de inadimplência. Cumulação com lucros cessantes. Inviabilidade. 1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: ‘A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes’. 2. No caso concreto, recurso especial não provido.” (REsp 1498484/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/5/2019, DJe 25/6/2019).
Assim, deve-se curvar ao entendimento do STJ, julgado em sede de recurso repetitivo, como já vem fazendo este Tribunal e esta 16ª Câmara Cível:
“Apelação cível. Dois recursos. Direito civil e do consumidor. Atraso na entrega do imóvel. Limite do prazo de construção e de entrega das chaves contratualmente previstos ultrapassado. Dano material. Cláusula penal moratória contratualmente prevista.
Observância. Lucros cessantes. Impossibilidade de cumulação. Precedentes do STJ. Condomínio. Responsabilidade do promitente-comprador, desde o recebimento da unidade autônoma. Dano moral. Imóvel destinado ao exercício do direito fundamental de moradia. Ausência de circunstância razoável para o atraso. Configuração. Critérios de configuração na
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Publicação: 16 de março de 2021 dje.tjmg.jus.br Edição nº: 49/2021 Página 44 de 50 espécie.
Tese firmada pelo STJ em sede de recurso repetitivo (tema 939). Dar parcial provimento a ambos os recursos. 1. O prazo de tolerância e prorrogação para a entrega das chaves, contratualmente fixado, deve ser contabilizado juntamente com o prazo de construção inicialmente fixado, para que seja configurada a mora da construtora/vendedora na entrega do imóvel. 2.
Ultrapassado o prazo contratualmente fixado, já considerado o período de tolerância para a entrega do imóvel, resta consolidado junto ao STJ que deve ser invertida, em desfavor da construtora (fornecedor), a cláusula penal moratória estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor). Nada obstante, referido entendimento deve ser aplicado apenas no
caso de vácuo contratual, de modo que existindo previsão expressa de cláusula penal moratória, em caso de atraso na entrega do imóvel, em favor do promitente vendedor, ela deve prevalecer. 3. Em consonância com o entendimento jurisprudencial sedimentado pelo STJ, tema 970, ‘A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes’. 4. A obrigação condominial deve ser suportada pelo promitente-comprador desde o momento da entrega das chaves, ainda que no termo de vistoria tenha sido consignada a necessidade de adaptações e reparos. 5. O atraso na entrega de imóvel que seria destinado ao exercício do direito fundamental à moradia, sem que seja apresentado motivo razoável pela construtora, autoriza a configuração do dano moral. 6. Segundo o art. 944 do Código Civil, como regra, a indenização mede-se pela extensão do prejuízo causado. Sabe-se que, quanto ao dano moral, inexistem critérios objetivos nesse mister, tendo a praxe jurisdicional e doutrinária se balizado em elementos como a condição econômica da vítima e do ofensor, buscando ainda uma finalidade pedagógica na medida, capaz de evitar a reiteração da conduta socialmente lesiva. 7. Nos casos de responsabilidade contratual os juros de mora são devidos desde a citação. 8. Deram parcial provimento ao primeiro recurso e negaram provimento ao segundo.” (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.179359-8/002, Relator: Des. Otávio Portes, 16ª Câmara Cível, julgamento em 7/8/2019, publicação da Súmula em 14/8/2019).
Desta forma, a sentença merece parcial reparo quanto a essa questão, pois os danos materiais/lucros cessantes não devem ser ressarcidos aos autores/apelantes adesivos, pois não é possível a sua cumulação com a cláusula penal moratória.
No que concerne ao prejuízo extrapatrimonial, embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha se manifestado no sentido de que o mero descumprimento de contrato não enseja dano moral, tenho que, in casu, não se trata de pequeno dissabor.
Ora, no caso em exame, o atraso da entrega da obra não foi de alguns meses, tendo em vista que o retardo para a conclusão das obras foi superior a 02 (dois) anos.
Com efeito, os autores/apelantes adesivos adquiriram o imóvel que serviria de residência para a família, mas demorou mais de 02 (dois) anos para que recebessem as chaves do apartamento, portanto, ultrapassou a adversidade natural dos tempos modernos, notadamente diante das dificuldades, privações e comprometimentos financeiros que geram para o cidadão a aquisição de um imóvel, circunstâncias que comprometem o estado psicológico, notadamente quando o tempo é postergado por anos.
Destarte, tenho como configurado o dano moral.
No tocante ao valor arbitrado, sem razão ambos os apelantes, uma vez que a fixação feita na sentença em R$ 10.000,00 (dez mil reais) atende a capacidade econômica dos envolvidos, bem como o caráter pedagógico para reprimir novos atos ilícitos pelo ofensor, devendo ser mantido.
No tocante aos juros moratórios, tem-se que são devidos desde a citação, uma vez que o caso se trata de relação contratual, devendo ser reformada a sentença.
Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência:
“Apelação cível. Ação indenizatória por danos morais e materiais atraso injustificado na entrega do imóvel. Multa contratual devida. Danos materiais. Correção monetária. Termo inicial. Danos morais. Quantum arbitrado. Majoração. Juros e correção monetária. Termo inicial. 1. Caracterizado o atraso na entrega do imóvel e o consequente descumprimento do contrato por parte da construtora, é cabível sua condenação no pagamento da multa moratória, nos exatos termos previsto no contrato ajustado entre as partes. 2. O termo inicial da correção monetária aplicável nos casos de indenização por danos materiais conta-se da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº 43/STJ. 3. O valor da indenização deve ser fixado com prudência, segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrando-se apto a reparar, adequadamente, o dano suportado pelo ofendido, servindo, ainda, como meio de impedir que o condenado reitere a conduta ilícita. 4. Em se tratando de
indenização por danos morais decorrentes de responsabilidade contratual, o termo inicial dos juros de mora é a data da citação e a correção monetária a partir da data em que foi fixado o valor da indenização. 5. Deram provimento ao recurso.” (TJMG - Apelação Cível 1.0000.19.142564-4/001, Relator: Des. José Arthur Filho, 9ª Câmara Cível, julgamento em 17/12/2019, publicação da Súmula em 17/12/2019).
Embora o pedido dos apelantes principais seja para que os juros de mora incidam desde o evento danoso, o correto é que eles incidam desde a data da citação, devendo ser ressaltado que se trata de matéria de ordem pública, podendo ser alterada de ofício por este Tribunal.
Pretende o apelante principal que os honorários sejam compensados, nos termos da Súmula nº 306 do STJ.
Com efeito, o Código de Processo Civil deu passo muito largo no sentido de consolidar o caráter alimentar dos honorários sucumbenciais e de defini-los como direito autônomo do advogado. A manifestação mais contundente desse movimento é vedar a compensação de honorários nos casos de sucumbência recíproca.
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Publicação: 16 de março de 2021 dje.tjmg.jus.br Edição nº: 49/2021 Página 45 de 50 É pressuposto da compensação que credores e devedores sejam a mesma pessoa. Ao vedar a compensação, o Código rompe com essa identidade subjetiva e explicita que não se podem compensá-los simplesmente porque eles não são de titularidade das partes, compondo o patrimônio jurídico de seus respectivos procuradores. Nesse sentido, são as lições de Humberto Theodoro Júnior:
“Quanto à remuneração do causídico, a regra geral traçada para a sucumbência é a de que a 'a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor'. Trata-se, assim, de remuneração direta ao advogado do vencedor, e não de reembolso de gasto da parte. Constituem, tais honorários, como esclarece o novo Código, ‘direito do advogado’, tendo, legalmente, ‘natureza alimentar’ (art. 85, § 14). Assim dispondo, a lei protegeu a remuneração do advogado que defendeu, com êxito, a parte vitoriosa, mas reduziu a tutela jurisdicional que a esta foi prestada, já que porção considerável de seus gastos em juízo restou irrecuperável. Ao contrário do velho desígnio de cobertura total do direito de quem faz jus à proteção da tutela da justiça, o vencedor, agora, segundo a sistemática literal do NCPC, só logra recuperar uma parte de seu prejuízo. Embora ganhando a causa, a sentença lhe proporcionará um resultado menor do que o correspondente ao crédito efetivo.”
(THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo Civil, Processo de Conhecimento, Procedimento Comum. 56. ed. vol. I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 302).
Destarte, mesmo que a fixação dos honorários advocatícios tenha se consolidado na vigência do ordenamento processual revogado, tenho por incabível a compensação dos honorários advocatícios, tendo em vista a destinação ser em favor dos procuradores e não das partes, inadmissível a compensação por credores diversos.
Com tais considerações, dou parcial provimento ao apelo principal, para julgar improcedente o pedido de indenização por danos materiais/lucros cessantes, diante da impossibilidade de sua cumulação com a cláusula penal moratória, e nego provimento ao apelo adesivo. De ofício, determino que os juros de mora da indenização por danos morais incidam desde a data da citação.
Registro que a r. sentença foi publicada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, razão pela qual deixo de majorar os honorários advocatícios fixados na r. sentença.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Marcos Rodrigues Vieira e Otávio de Abreu Portes.
Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO PRINCIPAL E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO ADESIVO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico
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