Os serviços notariais e de registro são remunerados por emolumentos fixados pelos Estados e Distrito Federal, sendo que, segundo o mandamento constitucional, cabe à lei federal estabelecer normas gerais para a fixação desses emolumentos1.
O vocábulo "emolumento", derivado do latim emolumentum, refere-se à ideia de vantagem, proveito2. Em sentido genérico significa toda retribuição devida ou vantagem concedida a uma pessoa, pelo exercício de seu cargo ou ofício. Em sentido estrito, é a contribuição que se faz exigível como compensação por atos praticados pelo poder público ou pelo serventuário público, retribuindo o serviço prestado e o poder de polícia exercido.
Muito se discutiu a respeito da natureza jurídica dos emolumentos. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3089/DF3, pacificou a questão. Segundo o pretório, os emolumentos têm natureza jurídica tributária, mais precisamente de taxa. Por ter natureza jurídica de tributo, aos emolumentos se aplica o regime jurídico próprio, com foco na legalidade estrita, incidindo também os princípios de direito tributário.
Note-se que não se trata de tarifa, e sim de taxa. Tais figuras se distinguem, segundo o entendimento do STF, a partir do critério da compulsoriedade: as taxas, por corresponderem a tributos, são de cobrança obrigatória pelos titulares de delegação, nos termos do Verbete Sumular n. 545.
Tem-se, portanto, que os emolumentos traduzem uma prestação pecuniária compulsória, cobrada como contraprestação de um serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte, em atividade vinculada por titulares de delegação4.
No caso, o sujeito ativo do tributo é o respectivo Estado ou Distrito Federal, ao passo que o sujeito passivo é o usuário dos serviços de notas e registro, seja pessoa física ou jurídica. Os titulares da delegação fazem o recolhimento por substituição - "para trás" - sendo responsáveis subsidiários pelo recolhimento tributário nos atos que praticarem5.
Nesse ponto, é bom recordar que taxa, em geral, consiste na retribuição do serviço público prestado ou é fixada em razão do exercício do poder de polícia6. No caso específico dos emolumentos notariais e registrais, há uma taxa sui generis ou mista, na medida em que a taxa de serviço e do poder de polícia estão agregadas à mesma figura: ela remunera simultaneamente a prestação do serviço público e a fiscalização realizada pelo Poder Judiciário.
Aliás, parte do valor dos emolumentos é relativo aos repasses que notários e registradores devem cumprir, como os devidos ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, em razão justamente do exercício do poder de polícia.
De modo geral, os valores dos emolumentos são fixados conforme o efetivo custo e a adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, considerando a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro. Também é levada em consideração a classificação dos atos em comuns e específicos de cada serviço, bem como, em relação aos últimos, a dicotomia entre os atos com conteúdo financeiro e os sem conteúdo financeiro. Assim, dispõe os incisos II e III do art. 2º da lei 10.169/2000:
"II - os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;
III - os atos específicos de cada serviço serão classificados em:
a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;
b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro."
As tabelas estaduais discriminam a base de cálculo dos atos sujeitos à cobrança de emolumentos, sendo integradas por notas explicativas. Sendo assim, os notários e registradores devem sempre atentar à lei emolumentar específica do respectivo Estado da federação.
Com efeito, a fixação do valor dos emolumentos é de competência tributária exclusiva estadual e distrital, segundo as peculiaridades regionais dos Estados ou Distrito Federal e as normas gerais estabelecidas pela União (mormente na lei 10.169/2000)7. Eventuais projetos de lei tendentes à sua modificação são de iniciativa privativa do Poder Judiciário do Estado respectivo8. Mais especificamente, a iniciativa é do Corregedor Geral da Justiça do respectivo Tribunal, a quem compete elaborar o projeto de lei, que é submetido à aprovação, por maioria, do órgão especial do tribunal. Uma vez aprovado pelo órgão especial, o projeto é remetido para a Assembleia Legislativa.
Importante destacar que o referido projeto tem que ser específico, ou seja, tratar tão somente da questão emolumentar. Não pode, portanto, conter disposições de outras matérias, até para se evitar o denominado "contrabando legislativo", consistente na prática de embutir, em determinada lei, assuntos impertinentes, impróprios.
Em São Paulo, a competência para fixação de emolumentos foi exercida com a publicação da lei 11.331 de 2002. A base de cálculo é fixada em tabelas anexas à referida lei, e sua atualização monetária se atrela à variação da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, que é o índice divulgado anualmente por comunicado do governo do Estado (lei estadual 6.374/1989).
Analisados os aspectos gerais dos emolumentos, cabe introduzir a polêmica alteração implementada pela Lei do Agronegócio (lei 13.986/2020), editada com o mote de facilitar o financiamento e o exercício da atividade agrária, inclusive reduzindo burocracias e custas relacionadas a esse ramo. Dentre suas diversas alterações implementadas, destacam-se a criação de novos modos de garantia ao crédito agrário, a regulamentação do patrimônio de afetação rural, dentre outras.
A referida lei alterou os arts. 2º e 3º da lei 10.169/2000, introduzindo regras específicas relativas aos emolumentos relacionados aos negócios agrários. Primeiramente, incluiu o § 2º ao art. 2º, dispondo que os emolumentos devidos pela constituição de direitos reais de garantia mobiliária ou imobiliária destinados ao crédito rural não poderão exceder o menor dos valores a seguir elencados:
"I - 0,3% (zero vírgula três por cento) do valor do crédito concedido, incluída a taxa de fiscalização judicial, limitada a 5% (cinco por cento) do valor pago pelo usuário, vedados quaisquer outros acréscimos a título de taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência ou para associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação; e
II - o valor respectivo previsto na tabela estadual definida em lei, observado que: (...)"
Tais critérios configuram limites, dentre os quais deve ser aplicado o de menor valor ao caso em exame, diversamente do que estabelece a lei paulista. Note-se que o acima transcrito inciso I inclui os demais repasses cobrados a impõe um limite máximo ao valor dos emolumentos, aplicável salvo se os respectivos valores, fixados em lei nas tabelas estaduais ou distritais, forem menores.
Em situações especiais, como na hipótese de dois ou mais imóveis dados em garantia pelo produtor a título de financiamento, o valor dos emolumentos será fixado pelo resultado da divisão do valor do mútuo pelo número de imóveis, limitada ao potencial econômico de cada bem9.
Nos aditivos de garantia real com liberação de crédito suplementar, a cobrança do ato de averbação terá como base de cálculo o valor do crédito que exceder aquele que constava da matrícula10. Se não houver alteração do valor do financiamento, deverá ser considerado como ato sem conteúdo econômico11.
No que diz respeito ao cancelamento dos atos relativos à garantia do crédito rural, a lei determinou que o valor deverá atender às tabelas estaduais, mas não poderá exceder a 0,1% do valor do crédito concedido12.
Em todas as hipóteses, o valor da prenotação, das indicações e arquivamentos considerar-se-á incluído nos emolumentos devidos pelos registros das garantias reais previstas na referida lei13.
Ainda, os emolumentos devidos pelo registro auxiliar de cédula ou nota de crédito e produto rural, não garantida por hipoteca ou alienação fiduciária de bens imóveis, respeitadas as tabelas estaduais, não poderão exceder 0,3% do valor do crédito concedido, incluída a taxa de fiscalização judicial, limitada a 5% do valor pago pelo usuário14. Os repasses serão desconsiderados dos emolumentos.
Por fim, a Lei do Agro incluiu um inciso VI ao art. 3º da Lei dos Emolumentos, com o seguinte teor: "impor ao registro e averbação de situações jurídicas em que haja a interveniência de produtor rural quaisquer acréscimos a título de taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos e fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe, ou outros que venham a ser criados."
As modificações em comento causam estranhamento ao se considerar a vedação constitucional à instituição de isenções heterônomas entre os entes da federação. De fato, não cabe à União criar causas de exclusão de créditos estaduais, distritais ou municipais, o que leva ao questionamento quanto à constitucionalidade das novas disposições.
Isenção é a dispensa do pagamento de tributos e só pode ser exercida por aquele ente federativo a quem a carta política conferiu a competência para instituir, cobrar e fiscalizar a exação15. Decorre sempre de lei e nunca da própria Constituição, pois esta somente define as imunidades.
Há exceções relacionadas à permissão de isenções heterônomas, mas todas estão disciplinadas no texto constitucional. A própria Presidência da República havia vetado esta parte da Lei do Agronegócio justamente por invadir âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal, qual seja, fixar os emolumentos cobrados pelos atos notariais e registrais16.
O veto presidencial, contudo, foi derrubado pelo Congresso Nacional, o que, em tese, seria permitido para matérias gerais, mas não para a temática dos emolumentos, pois o regime tributário é próprio.
Ressalte-se que, a partir da EC 03/1993, a Constituição Federal passou a exigir lei específica para qualquer desoneração tributária, inclusive a isenção tributária. Deste modo, o legislador da Lei do Agro também pecou ao incluir, em uma lei que aborda assuntos diversos, como direito agrário, civil e registral, regras sobre a desoneração do produtor rural das custas judiciais ou dos emolumentos, além de disposições relativas a repasses. De fato, tais modificações deveriam advir de lei específica, vocacionada tão somente à alteração da lei 10.169/2000.
Mas, em todo caso, o defeito da referida lei não se resume à forma, já que o próprio teor das alterações é problemático. Afinal, tal lei modificou uma a Lei dos Emolumentos - de caráter sabidamente genérico, até por previsão constitucional - para inserir disposições de caráter específico, pautados pela predileção a um setor específico da economia. Logo, além das irregularidades formais e de competência já aludidas, fica evidente o desrespeito do legislador ao princípio da impessoalidade e da igualdade na prestação dos serviços cartoriais.
Os registradores e notários atuam em sede administrativa, o que lhes impõe a limitação a análises sobre a constitucionalidade de normas. Por esta razão, até que se provoque o controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, é prudente consultar a Corregedoria Geral da Justiça e as Corregedorias Permanentes sobre o modo de aplicação da presente desoneração heterônoma, nos moldes dos arts. 10 e 29 da lei 11.331/2002.
Sejam felizes!
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1 Art. 236, § 2º, da CF/1998.
2 Plácido e Silva, Oscar Joseph, Vocabulário Jurídico, 22ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 519.
3 ADI n 3.826, rel min Eros Grau, j. 12.5.2010, DJE de 20.08.2010. Em tal Ação Direta de Inconstitucionalidade, se discutiu a incidência ou não do ISS (Imposto sobre Serviços) aos atos praticados por notários e registradores. Nessa ocasião, o Pretório delimitou que a atividade extrajudicial é desenvolvida em caráter privado e com intuito lucrativo, remunerada através dos emolumentos (que, segundo o Tribunal, têm natureza jurídica de taxa), de modo a incidir a tributação através do Imposto em questão.
4 Art. 1º da LEI 10.169/2000.
5 Art. 134, VI, do CTN, c.c. art. 30, XI, da lei 8.935/1994.
6 Art. 77, caput, do CTN: "Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição".
7 Arts. 6º e 77 do CTN.
8 Art. 96, II, "b", da CF/1988.
9 Art. 2º, § 2º, II, "a", da lei 10.169/2000.
10 Art. 2º, § 2º, II, "b", da lei10.169/2000.
11 Art. 2º, § 2º, II, "c", da lei 10.169/2000.
12 Art. 2º, § 2º, II, "d", da lei 10.169/2000.
13 Art. 2º, § 2º, II, "e", da lei 10.169/2000.
14 Art. 2º, § 2º, II, "e", da lei 10.169/2000.
15 At. 176 do CTN.
16 Art. 145, II, c.c. art. 236, § 2º, da CF/1988.
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