Como dizia Fernando Pessoa, "a morte chega cedo, pois breve é toda vida" [1]. Não há dúvidas de que a morte de um ente querido chega cedo e traz, naturalmente, muita saudade e sofrimento para toda a família. Ocorre que o sofrimento por vezes decorre simplesmente da saudade, da falta que a pessoa faz, ou dos conflitos que podem existir com as providências que precisam ser tomadas após o falecimento de um indivíduo, a chamada "corrida" após a morte.
Tais providências são necessárias pois, após o falecimento de um indivíduo, todo o seu patrimônio passa a integrar uma massa patrimonial (ficção jurídica) chamada de espólio, que deve ser inventariada e partilhada entre os herdeiros.
Ocorre que, apesar de ser um procedimento teoricamente simples, os conflitos familiares que envolvem a partilha dos bens podem tornar o caminho processual do inventário um tanto quanto tortuoso, podendo o conflito demorar dez, 20, 30 ou, acreditem, cem anos para ser resolvido no Judiciário.
Tanto é verdade que um dos processos mais antigos existentes no Brasil é um processo de inventário do comendador Domingos Faustino Corrêa [2], que tramitou na Justiça Comum do Rio Grande do Sul por 107 anos, por conta dos imbróglios processuais causados pela família.
O grande problema dessa morosidade é a inutilização da herança, a deterioração do patrimônio, e até mesmo o aumento dos conflitos familiares, pois até o momento da partilha todos os bens são considerados um só, estando os herdeiros em um estado de condomínio.
Sabendo do grave risco da morosidade de um processo de inventário, seria possível dar celeridade ao processo?
Existem algumas alternativas processuais que são muito valiosas para o processo de inventário e, se bem utilizadas pelos advogados, podem poupar anos de conflito judicial. A primeira delas observa-se com o artigo 647 do Código de Processo Civil.
O artigo 647, parágrafo único, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o magistrado, em decisão fundamentada, deferir antecipadamente a qualquer um de seus herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que ao término do inventário tal bem integre a quota parte do respectivo herdeiro, cabendo ao mesmo, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos.
Comparando as determinações estabelecidas no artigo 647 do Código de Processo Civil, faz-se possível estabelecer uma similaridade com a tutela de evidência, porém aplicada no âmbito do inventário.
Isso porque a tutela de evidência é uma "medida destinada a antecipar o próprio resultado prático final do processo, satisfazendo-se na prática o direito do demandante, independentemente do periculum in mora" [3], e o que propõe o parágrafo único do artigo 647 do Código é exatamente essa antecipação do uso e fruição dos direitos da herança, baseado da probabilidade do direito. Trata-se, portanto, de uma hipótese especial da tutela de evidência, que pode reduzir os danos decorrentes da morosidade que pode existir em processo de inventário.
Outra possibilidade de promover a celeridade envolve a nomeação de um inventariante dativo ou judicial (artigo 617, incisos VII e VIII, do Código de Processo Civil), que nada mais é do que um terceiro estranho à herança que atua de forma profissional no processo de inventário, administrando os bens e representando o espólio.
A nomeação de um terceiro se justifica na medida em que muitas famílias entendem que aquele que assume a função de inventariante no processo, estaria, de alguma forma, em posição de vantagem em relação aos demais herdeiros. Por essa razão, essas partes "desconfiadas" começariam a impugnar diversos atos do processo, causando impasses no trâmite processual.
O que as partes não sabem é que o inventariante não possui nenhuma vantagem na relação processual, pelo contrário, ele assume diversos deveres conforme se observa no artigo 618 do Código de Processo Civil, tais como organizar o espólio, arrecadar os bens, conservá-los e administrá-los até a entrega de cada porção aos herdeiros [4].
Observa-se, pois, que a desconfiança no inventariante pode atrasar demasiadamente o processo, o que pode ser evitado com a nomeação de um inventariante judicial ou dativo, que atuará de modo profissional e transparente, prestando contas de seus atos e sendo remunerado pelo serviço ao qual fora designado.
Por fim, a terceira dica que visa à celeridade no processo de inventário consiste na elaboração de um negócio jurídico processual previsto no artigo 190 do Código de Processo Civil, que, nas palavras de Fredie Didier Jr, trata-se de um "fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento" [5].
Partindo desse conceito, poderiam as partes transigir sobre assuntos e procedimentos que geralmente "travam" o processo de inventário, como por exemplo a partilha de bens que possuem valor afetivo para toda a família, como joias, obras de arte, entre outros. As partes poderiam se valer do negócio jurídico processual para acordar que a partilha desses bens com valores sentimentais seria realizada por meio de sorteio, descrevendo, ainda, a forma como o sorteio ocorreria.
Um outro exemplo de negócio jurídico processual que pode ser firmado entre as partes interessadas é a renúncia ao direito de recorrer da decisão que nomeia o inventariante, ou da avaliação dos bens realizada pelo perito do juízo, ou de qualquer outra decisão presente no processo.
A verdade é que são diversas as possibilidades de acordos e negócios jurídicos processuais que podem ser feitos para dar celeridade ao processo de inventário, e as partes e os advogados devem apenas agir com boa-fé, cooperação e criatividade.
Fonte: Conjur
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