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Como será o seu fim? Você sabe o que é testamento vital?

Testamento vital: Documento público em cartório onde se declara vontade sobre procedimentos médicos em caso de incapacidade. Resolução CFM 1.995/12.


Testamento vital é um documento público, feito em cartório, no qual o testador declara como quer que se proceda caso ele fique incapaz de expressar sua vontade. É um testamento para instruir como devem proceder no final da vida.


No testamento vital, o testador declara, com suas palavras, se quer ser submetido a procedimento médico extraordinário e desproporcional que não esteja trazendo melhora no seu quadro clínico.


Trata-se de uma escritura pública declaratória de diretivas antecipadas de vontade, com fundamentação na resolução 1.995/12 do CFM - Conselho Federal de Medicina.


Você já parou para pensar em quem vai cuidar de você quando não tiver mais condições de gerir a própria vida?


No testamento vital é possível indicar uma pessoa de confiança para tomar decisões em nome do testador, caso este perca a capacidade de fazê-lo.


Além de deixar as intenções de tratamentos e dos seus limites pré-determinados, poderá incluir um procurador "representante de saúde" com o objetivo de facilitar a tomada das decisões médicas de acordo com as intenções do testador.


O testamento vital é uma ferramenta crucial para garantir que os tratamentos médicos do testador sejam respeitados no final da vida, proporcionando uma morte digna e de acordo com seus valores e desejos pessoais.


Uma função importante do testamento vital é assegurar que o manejo da dor e outros sintomas desconfortáveis sejam adequadamente abordados, respeitando a vontade do paciente de forma a não prolongar desnecessariamente a vida em condições de muito sofrimento.


Em casos de possível diagnóstico médico que indique um estado vegetativo permanente, sem expectativa de recuperação, a decisão de não iniciar ou de retirar medidas de suporte vital pode ser considerada, respeitando a autonomia e a vontade do testador.


Passamos a vida inteira lutando pelos direitos de escolher, opinar e expressar vontades. Faz sentido renunciar a isso quando o fim da vida se aproxima?


No testamento vital, o testador pode declarar que não quer ser submetido a nenhum procedimento médico extraordinário que não traga melhora no quadro clínico e que seja permitida a evolução natural da doença, sendo apenas providenciados os cuidados paliativos necessários para seu conforto ou alívio das dores e sofrimento. 


Declara também que sua vontade seja respeitada pela família e equipe médica, sendo expressão final do direito de recusa de tratamento e de aceitar as consequências desta decisão.


Ao nomear um procurador é importante qualificá-lo e especificar os poderes concedidos, detalhando até onde vai sua autonomia para tomar as decisões médicas. 


É recomendável que sejam entregues ao procurador e ao médico de confiança cópias do testamento para garantir que a vontade do testador seja totalmente respeitada.


O médico irá anotar no prontuário do paciente e deverá seguir as diretivas  que foram determinadas no testamento vital. 


Pela resolução CFM 1.995/12, o médico só podera recusar o pedido que consta no testamento vital caso esteja em desacordo com a lei ou com os preceitos do Código de Ética de Medicina.


Sem confirmação de morte cerebral, não se pode permitir a retirada do suporte artificial de vida, por existir expressa proibição da eutanásia no Código Penal e no Código de Ética Médica (resolução 2.217/18 do CFM).


É importante lembrar que, no Brasil, o testamento vital não pode ser usado para autorizar procedimentos que caracterizem eutanásia. A eutanásia é o ato de provocar a morte intencionalmente para aliviar o sofrimento de uma pessoa, sendo um tema altamente controverso e cuja legalidade varia significativamente de país para país.


Já a ortotanásia e a distanásia são permitidas. A ortotanásia é a prática de não prolongar a vida de um paciente terminal por meios artificiais, respeitando o processo natural de morte sem acelerá-lo (como ocorre na eutanásia) ou retardá-lo (como na distanásia). 


A ortotanásia deve ser entendida como a decisão que, diante da morte iminente e inevitável de um paciente, não abrevia sua vida (praticando a eutanásia) e muito menos prolonga inutilmente sua agonia (praticando a distanásia).


A ortotanásia, no Brasil, é permitida, mas não regulamentada por lei. Existe a resolução 1.805/06, do CFM, que estipula em seu art. 1º: "É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal".


A distanásia, antônimo da eutanásia, é chamada, na Europa, de "obstinação terapêutica"; nos Estados Unidos, a expressão usada é "futilidades médicas". É um tratamento fútil e inútil a pacientes sem esperança de recuperação com uso de recursos tecnológicos e artificiais caríssimos, com o intuito de prolongar a vida.  


O CFM revela que, atualmente, no Brasil, 30% dos internados em UTIs são pacientes em estado terminal, que não deveriam permanecer nessas unidades. 

Em relação à distanásia, o arcebispo Dom Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, referiu que "A morte não é uma doença para a qual devamos achar cura. É necessário que o homem reconheça e aceite a própria realidade e os próprios limites".


João Paulo II na Enciclica Evangelium Vitae (1995) distingue a eutanásia e a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico: "Quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes (...) A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionais não equivale aos suicídios ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte".


Morrer faz parte do ciclo da vida, deve ser encarado como uma ordem natural. É preciso ter a coragem de reconhecer que, em determinadas situações, há limites, devendo decidir em proporcionar mais conforto e evitar a dor e sofrimentos desnecessários.


É possível indicar curador no testamento vital?


É comum o declarante aproveitar o testamento vital para indicar sua escolha em relação a uma possível curatela.


Embora o testamento vital possa nomear um procurador de saúde, ele não é o documento apropriado para nomear um curador.


A curatela é uma medida de proteção legal para pessoas que são consideradas incapazes de gerir seus próprios assuntos por razões como enfermidade ou deficiência mental. A nomeação de um curador normalmente é decidida por um processo judicial, e o curador passa a ter responsabilidades de gestão de finanças, decisões de vida e outros aspectos legais.


O procurador de saúde no testamento vital vai somente expressar a vontade do testador em relação aos tratamentos de saúde, já o curador tem o papel de administrar os bens e a vida do incapacitado. 


É possível registrar a declaração de vontade com a previsão de uma futura e eventual curatela, mas sem valor legal por necessitar de uma confirmação judicial. No entanto, poderá fazer parte de uma demonstração de intenção do testador na petição judicial de interdição.

Alguns cartórios não permitem que faça esta previsão de futura curatela dentro do testamento vital porque entendem que o testamento vital é um instrumento somente para atender os requisitos da resolução 1.995/12 do CFM.


Neste caso, aconselho fazer duas escrituras a do testamento vital para declarar as intenções de tratamentos e indicação de procurador de saúde, e uma escritura pública declaratória para indicar a possível curatela em caso de interdição. Mas como dito anteriormente a constituição de um curador dependerá de uma decisão judicial no processo de interdição. 


O testamento vital deve ser feito no cartório de notas e não é obrigatória a contratação de advogado. Porém, não desconsidere uma assistência jurídica para orientá-lo neste momento.


Caso famoso da acionista da rede Pernambucanas 


A maior acionista da rede Pernambucanas, Anita Harley, tem um patrimônio de aproximadamente R$ 2 bilhões, está em coma há 8 anos e sua fortuna está sendo alvo de disputas.


O caso foi tornado público em matéria do Fantástico em 20221 que revelou detalhes sobre a fortuna da empresária e a disputa pela herança. 


Em 1999, Anita, aos 52 anos, totalmente lúcida, elaborou um testamento vital e nomeou Cristine Rodrigues, sua assessora pessoal, como procuradora de saúde. Em 2016, Anita teve um AVC e desde então está em coma no hospital.


Anita não era casada e não possuía herdeiro biológico. Com a sua incapacidade, iniciou-se uma disputa serrada entre três pessoas: Sonia Soares, que morou por 20 anos com Anita e teve o pedido de união estável com ela aceito ano passado. Arthur Soares, filho biológico de Sônia e filho socioafetivo de Anita, reconhecido judicialmente após o AVC. E Cristine Rodrigues, que entrou na Pernambucanas em 1966, assessora pessoal da empresária e nomeada procuradora no testamento vital da empresária. 


No centro dessa disputa está o direito de comandar o império da empresária enquanto ela está afastada.


Hoje está no comando do império o filho socioafetivo Arthur. E, desde que Sonia conseguiu a união estável, vem tentando assumir esse posto.


Cabe destacar que a pessoa uma vez interditada, é representada por um curador em decisões legais, incluindo as de saúde e financeiras. Os poderes permitidos no testamento vital autorizam somente assuntos em casos de procedimentos de saúde. 


Claro que a pessoa de confiança indicada no testamento vital como seu representante para assuntos relacionados à vida do testador, deve ser um forte candidato a ser também ser seu curador, mas a curatela é definida pela via judicial por meio da ação de interdição. 


Enfim, a morte é inevitável, somos todos vulneráveis, mortais e finitos, e o testamento vital serve para limitar e definir até quando o testador irá permitir que as tecnologias e tratamentos posterguem o processo de morrer, com meios desproporcionais que só aumentam o sofrimento sem agregar qualidade de vida. 

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