O Conselho Nacional de Justiça – CNJ reconheceu, por meio de um pedido de providência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que há uma lacuna normativa no Registro de Nascimento das crianças intersexo, quando na Declaração de Nascido Vivo – DNV ou na Declaração de Óbito – DO fetal o sexo é marcado como “ignorado”.
O CNJ concordou que há uma omissão normativa nesses casos, e, portanto, esses casos devem ser resguardados por meio de um ato normativo que discipline a atividade registral em caráter nacional. Deste modo, sugeriu adequações à minuta enviada pelo IBDFAM e abriu a possibilidade de outras entidades se manifestarem. O reconhecimento permite a ampliação da visibilidade e dos direitos das pessoas intersexo no Brasil.
Segundo a presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM, Márcia Fidélis Lima, o objetivo principal do Instituto ao instar o pedido de providências junto ao CNJ foi a uniformização do procedimento de registro de nascimento para permitir o estabelecimento da condição sexual de todos os cidadãos, inclusive os não binários.
“Em alguns estados foram editadas normas disciplinando o registro de nascimento da criança intersexo, a exemplo do Rio Grande do Sul e do Maranhão. Algumas disposições nessas normas chamaram a atenção de membros do IBDFAM, principalmente nos grupos que trabalham com as questões específicas do foro extrajudicial, pelo potencial de trazer prejuízo ainda maior ao cidadão intersexo quando, por exemplo, limitam-lhe direitos da personalidade fundamentais à sua individualização na sociedade por registrá-lo sem nome”, pontua Márcia.
Ela acrescenta: “Ainda, como são normas locais, corre-se o risco de edições de normas diferentes a cada Unidade da Federação disciplinando, eventualmente, regras conflitantes sobre um tema de tamanha relevância, primordial ao exercício da cidadania.”
A especialista ressalta que a iniciativa do IBDFAM visa, precipuamente, sugerir a edição de um ato normativo com abrangência nacional para evitar esses conflitos. “Por oportuno, para atender de forma mais eficiente às peculiaridades do registro de nascimento do intersexo, a proposta do IBDFAM incluiu sugestão de redação de um provimento que também discipline a possibilidade de alteração posterior do registro, caso haja possibilidade e interesse futuro na designação dicotômica do sexo do registrado como masculino ou feminino, bem como a consequente alteração de seu prenome, se for o caso.”
Lacuna normativa
A decisão do CNJ, segundo Márcia Fidélis, acolheu as sugestões do IBDFAM, indo além e ampliando as regras também para o registro de óbito fetal e permitindo a alteração do registro de crianças, desde que com a assistência ou representação dos pais. “Um ponto específico da minuta que acompanha a decisão da ministra levantou debate entre os membros do IBDFAM: trata-se da possibilidade da criança ou adolescente, submetidos ao poder familiar, poder ser representado ou assistido por apenas um dos pais e não por ambos, como define a lei.”
Ela reflete: “A redação, em um primeiro momento, parece ter o mote de beneficiar a agilidade e a desburocratização dos serviços. Contudo, há que se pensar até que ponto será atendido o melhor interesse da criança e do adolescente quando há conflito de entendimentos entre os pais e um deles buscar a alteração do registro de nascimento do filho comum, ignorando a discordância do outro.”
De acordo com a especialista, a decisão, bem como a minuta a ela anexa, será objeto de debates na Comissão de Notários e Registradores nos próximos dias. “É imprescindível salientar que o tema do pedido de providências é o estabelecimento do estado sexual do cidadão no registro de nascimento e os requisitos para eventual alteração, dentro dos critérios legais já existentes. Como órgão que regulamenta a atividade notarial e registral, o CNJ é competente para editar normas infralegais com abrangência nacional, capazes de atender a uniformização pretendida pelo IBDFAM.”
“O debate acerca da questão intersexo no Brasil vai muito além da definição do estado da pessoa natural – atribuição do oficial de registro civil. O tema precisa ser debatido e resultados inclusivos devem ser implementados para garantir dignidade à vida desses cidadãos, hoje alijados socialmente e privados do direito de ter reconhecidas suas especificidades. O registro é só o ponto de partida”, frisa Márcia.
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