top of page

Clipping - Estadão - O necessário registro da propriedade fiduciária

Segundo o site do STJ, em 16 de abril do corrente ano, em ação de rescisão de contrato particular de compra e venda de imóvel, não é possível exigir do comprador que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para receber de volta as quantias pagas, caso o contrato que serve de título à propriedade fiduciária não tenha sido registrado em cartório – como determina o artigo 23 da Lei 9.514/1997.


Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, em caso envolvendo rescisão de contrato, verificou não ter havido o registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel, razão pela qual não estaria constituída a garantia. Assim, não haveria impedimento à resolução do ajuste, com a restituição de 90% dos valores pagos pelo comprador.


O caso teve origem em contrato particular de compra e venda de um terreno em loteamento urbano, do qual constou cláusula de alienação fiduciária em garantia. O comprador, impossibilitado de arcar com as prestações, ajuizou pedido de rescisão do negócio e devolução de 90% da quantia paga.


No recurso apresentado ao STJ, a empresa vendedora do imóvel pediu que fosse seguido o procedimento do leilão previsto no artigo 27 da Lei 9.514/1997, sob o argumento de que a ausência de registro do contrato decorreu de culpa exclusiva do comprador.

A matéria foi objeto de discussão no REsp 1835598.


II – A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA PELO REGISTRO


A alienação fiduciária em garantia não é negócio fiduciário; suas estruturas são diversas substancialmente. A propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia não se confunde com a propriedade que se transferiu ou se prometeu transferir através do negócio fiduciário propriamente dito.


A propriedade fiduciária, como as demais garantias reais, não é indivisível por natureza, mas, sim, por força da lei, para assegurar o cumprimento das obrigações.


A propriedade fiduciária, pendente o vencimento da dívida, significa para o devedor, seu direito expectativo à recuperação da propriedade. Não existe para o alienante apenas uma expectativa de direito. O alienante não é um proprietário sob condição suspensiva.


Disse o ministro Moreira Alves (Da alienação fiduciária em garantia, pág. 133/135): “É esta propriedade fiduciária uma nova garantia real que se não confunde com a propriedade que, através do negócio fiduciário, se transmite ao credor com escopo de garantia (e que os autores, em geral, também denominam propriedade fiduciária), nem com qualquer dos direitos reais limitados de garantia (penhor, anticrese ou hipoteca)”.


A alienação fiduciária, que tem raízes nos negócios fiduciários, cuja formulação moderna deve-se a Regelsberger, em 1890, é tão somente, o contrato que serve de título à constituição da propriedade fiduciária, que é a garantia real.


Enquanto não vence o débito, o proprietário fiduciário não desfruta de todas as faculdades jurídicas que se contém na propriedade plena, porque seria da natureza da propriedade fiduciária o desdobramento da posse, ficando o devedor como possuidor direto, podendo usar, desfrutar do bem. Se paga a dívida, o alienante (devedor) volta a ser titular, não da propriedade restrita que cabia ao adquirente (credor), mas do domínio pleno. Se vencida a dívida, e não paga, o credor entra na posse plena e tem o ônus de vender o bem. À luz da doutrina alemã, com Pagenstecher, “Lehrbuch der Pandekten”, costuma-se chamar este fenômeno jurídico de elasticidade da propriedade. Até o pagamento do débito, possui o alienante (devedor), ainda chamado de fiduciante, um direito expectativo à recuperação da propriedade passada ao credor (fiduciário) com a alienação fiduciária.


Há o que chamamos de “elasticidade da propriedade”, fenômeno jurídico que ocorre na ocorrência das hipóteses acima citadas. Surge um direito expectativo para o credor.


A matéria hoje está disciplinada pela Lei 13.043, de 13 de novembro de 2014, que, em muito facilitou a busca e apreensão e a reintegração de posse, através de medidas nitidamente satisfativas, em caso de inadimplência para veículos financiados ou arrendados.


Com uma parcela em atraso o credor fiduciário poderá tomar providências de caráter executivo para reaver a posse do bem financiado.


O artigo 2º da Lei 13.043/14 disciplina:


“No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros ,independentemente (g.n) de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato.


III – A EFICÁCIA CONSTITUTIVA DO REGISTRO


Fala-se na eficácia constitutiva do registro.


Ora, determina o artigo 23 da Lei 9.514/97:


Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.


Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.


Ora, ao acentuar que a alienação fiduciária somente valerá contra terceiros se tiver seu instrumento registrado. Assim, a propriedade fiduciária(que é a garantia resultante do contrato de alienação fiduciária) necessita desse registro para ser oponível contra terceiros. Exatamente como sucede diante de outras garantias reais.


No passado, Lacerda de Almeida(citado pelo ministro Moreira Alves, Da alienação fiduciária em garantia, terceira edição, pág. 79) acentuou que “é absurdo conceber direito real de efeitos limitados às partes que o outorgam e reciprocamente aceitam, porque é da essência do direito real valer erga omnes; ou o direito real é isso, ou nada é; ou pode imediatamente impor-se ao respeito de terceiros, ou então não tem essa natureza, e sim direito pessoal, direito de obrigação(Lacerda de Almeida, Direito das Cousas, volume II, pág. 422).


Antes do registro, o contrato de alienação fiduciária em garantia é apenas título de constituição da propriedade fiduciária, que ainda não nasceu, porquanto seu nascimento depende do competente registro desse título. Na lição de Moreira Alves(obra citada, pág. 81) em não se havendo constituído ainda a propriedade fiduciária, inexiste, para o credor, garantia real, o que implica a possibilidade de que terceiro, com quem posteriormente venha a celebrar contrato de alienação fiduciária com relação à mesma coisa, se torne o proprietário fiduciário dela se registrar esse título posterior, antes que o faça o primeiro credor.


Dir-se-á que o contrato de alienação fiduciária em garantia, quanto à sua natureza jurídica, é contrato de direito das coisas, mas dele não nasce, independentemente, de um modo de aquisição, o direito real, que é a propriedade fiduciária.


Constituída a propriedade fiduciária pelo registro, no caso dos imóveis(Registro de Imóveis), este se torna proprietário resolúvel dela. Propriedade essa limitada em virtude do escopo de garantia que restringe. Terá a posse indireta da coisa.


Quanto à propriedade fiduciária de bem imóvel, regida pela Lei 9.514/97, verifica-se que a garantia somente se constitui com o registro do contrato que lhe serve de título no registro imobiliário do local onde o bem se situa.


Nesse sentido, aliás, é o disposto expressamente no art. 23 da Lei 9.514/17, segundo o qual “constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título”.


Ensinou Melhim Namem Chalhub(Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 239), “(…) a propriedade fiduciária é direito próprio do credor, um direito real em coisa própria, com função de garantia. Assim, com o registro do contrato da alienação fiduciária, o credor torna-se titular do domínio até que o devedor pague a dívida. O bem, assim, é excluído do patrimônio do devedor, só retornando a ele após o cumprimento da obrigação garantida”.


IV – A VENDA DA COISA ALIENADA


Registrada a propriedade fiduciária e não paga a dívida será caso de vender a coisa objeto da garantia.


Determina o artigo 27 da Lei 9.514/1997.


Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.


A alienação fiduciária em garantia não é negócio fiduciário; suas estruturas são diversas substancialmente. A propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia não se confunde com a propriedade que se transferiu ou se prometeu transferir através do negócio fiduciário propriamente dito.


V – A RESCISÃO


A rescindibilidade do negócio jurídico prescinde de qualquer vício do consentimento ou de incapacidade da pessoa, sendo o seu pressuposto uma lesão.


Por lesão, como ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, v. I, 3. ed., tradução de Ary dos Santos, p. 276), deve entender-se não a violação comum e genérica da esfera jurídica alheia, mas uma tão grave desproporção entre a prestação dada ou prometida e a contraprestação recebida ou prometida que origine um iníquo depauperamento de um e o injustificado e desproporcionado enriquecimento do outro. No sentido técnico, existe a lesão nos chamados contratos comutativos, quando a prestação de uma parte corresponde a uma prestação de outra tão gravemente desproporcionada que exceda quaisquer limites toleráveis da livre avaliação dessas partes acerca da vantagem ou do ônus que cada uma promete ou espera no contrato.


De lesão, é certo, ainda se fala em outras diversas relações jurídicas, como, por exemplo, na sucessão hereditária dos legitimários, isto é, daqueles que têm direito a uma quota legítima, pois se diz que há lesão da legítima quando o testador tenha, com disposições mortis causa ou com doações, comprometido a quota própria, isto é: ultrapassado a medida da disponível. Ao herdeiro legitimado é concedida uma actio supplendam legitimam, que tem por fim a redução das doações e das disposições testamentárias.


A lesão é um vício de formação, sendo apreciada no tempo em que o negócio jurídico foi celebrado. Visa ajustar o contrato aos seus devidos termos, afastando a distorção provocada pelo aproveitamento da necessidade e da inexperiência da outra parte. O objetivo principal da lesão é evitar o enriquecimento sem causa, a exploração usuária de um contratante por outro, nos contratos bilaterais, fundado em negócio totalmente desproporcional.


A doutrina admite uma ação de rescisão: só quando a lesão for enorme (laesio enormis), fixando, assim, a sua medida e circunscrevendo tal ação a casos determinados e fixos como sejam: a lesão na venda de imóveis, quando o vendedor tenha alienado por um preço inferior à metade do preço justo, e a lesão na divisão, quando o comparte tenha recebido bens inferiores a um quarto do que, segundo a própria quota, lhe deviam ser adjudicados.


Fala-se assim numa lesão qualificada que ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.


VI – CONCLUSÕES


Volto-me ao caso discutido no STJ no REsp 1835598.


Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, no ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: o regime geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e o regime especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, entre as quais a Lei 9.514/1997, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis.


A magistrada explicou que, no regime especial da Lei 9.514/1997, o registro do contrato tem natureza constitutiva: sem ele, a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se formam, independentemente da parte que tenha dado causa à ausência do registro.


Daí porque “na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente registro de imóveis, como determina o artigo 23 da Lei 9.514/1997, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor”, afirmou a ministra.


Independentemente da parte que tenha dado causa à ausência do registro, é certo que a garantia não se constituiu, não sendo cabível, portanto, a submissão do adquirente ao procedimento de leilão previsto no art. 27 da Lei 9.514/97


Fonte: Estadão


Posts recentes

Ver tudo

Komentáře


bottom of page